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11
dez 2016
domingo 16h00 Quarteto Osesp
Quarteto Osesp: Dutilleux, Bartók e Villa-Lobos


Quarteto Osesp


Programação
Sujeita a
Alterações
Henri DUTILLEUX
Ainsi la Nuit
Béla BARTÓK
Quarteto nº 3 em Dó sustenido maior
Heitor VILLA-LOBOS
Quarteto de Cordas nº 2
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

Antes de se tornar a partitura que conhecemos, Ainsi la Nuit [Assim a Noite] foi concebida como uma sucessão de cinco estudos para quarteto de cordas. Tinham então o título de Nuits [Noites]. Essa primeira versão da obra de Henri Dutilleux, da qual nos resta hoje uma versão lacunar com três estudos, tinha como objetivo explorar as potencialidades acústicas e técnicas de fragmentos isolados.

 

Concluído em 1974, esse projeto inicial deu origem a um prolongamento da escrita rumo a um conjunto de “sete seções interligadas, a maioria delas por parênteses em geral brevíssimos, mas importantes pela função orgânica que lhes é atribuída”, como escreveu o compositor no prefácio da partitura.

 

Ainsi la Nuit é uma das composições mais complexas de Dutilleux, mas também uma das mais fascinantes. A matriz harmônica e dinâmica que serve de base para a introdução da obra nada mais é que o material que será a estrutura de numerosas sequências, dentre as quais as “Litanias” e “Tempo Suspenso”. O “período estático do qual emergem movimentos lineares”, que “às vezes ecoam sons da natureza” no primeiro “Noturno”, contrasta, a distância, com a mobilidade e a

vivacidade extremas do segundo “Noturno”.


A “escrita em leque” de “Espelho de Espaço” parece explorar um conjunto de quatro sons que, como logo se percebe, é uma possível projeção dos intervalos do canto baseado num cromatismo retrógrado, apresentado no primeiro “Parêntese” e ouvido depois de maneira clara em “Litania ii”.

 

A obra termina explorando um “movimento de relojoaria [que] se instala  rogressivamente sobre um fundo de harmônicos de sinos distantes. O tempo parece imobilizado.”


MAXIME JOOS é musicólogo, autor de La Perception du Temps Musical Chez Henri Dutilleux (L’Harmattan, 1999) e professor de História da Música e Análise no Conservatório de Lille (França). Texto publicado no site da Cité de la Musique, republicado sob autorização. Tradução de Ivone Benedetti.


 

Em 1922, Béla Bartók juntou-se a Igor Stravinsky, Darius Milhaud e Alban Berg para fundar a ISCM (International Society For Contemporary Music) [Sociedade Internacional de Música Contemporânea], em Salzburgo. A Suíte Lírica (1926), para quarteto de cordas, de Berg, foi estreada nos concertos da ISCM e, segundo o musicólogo Elliott Antokoletz, teria influenciado Bartók a compor os Quartetos nº 3 e nº 4.

 

Os quatro movimentos do Quarteto nº 3 são tocados continuamente, sem interrupções. Apesar de intitulada “Recapitulação”, a terceira parte não é uma repetição exata da primeira, e a “Coda” (quarto movimento) acaba sendo correspondente ao segundo movimento.


A primeira seção, ou movimento, é a mais curta e alterna entre apresentações do tema principal — apresentado logo após a sustentação do acorde inicial — e suas elaborações. Esse tema retorna no final da seção, tocado pela viola e pelo primeiro violino sobre um ostinato do violoncelo.


A entrada do segundo movimento é marcada pelo trinado do segundo violino, seguido pelo glissando ascendente da viola, com sequência de acordes de três notas no violoncelo. As melodias são tocadas em pares de instrumentos, com diversas texturas de acompanhamento, até a chegada de uma fuga dupla, cujo sujeito é apresentado pelo segundo violino e pela viola e respondido a seguir pelo primeiro violino e pelo violoncelo.


A dinâmica se intensifica, levando a uma passagem em que os instrumentos tocam amplos glissandos, passagens em que os dedos dos músicos “escorregam” rapidamente pela escala dos instrumentos, dando uma sensação vertiginosa. Então, o movimento se aquieta um pouco e leva às seções seguintes, em que começam as recapitulações modificadas da primeira e da segunda partes.


Apesar de extremamente conciso, com cerca de quinze minutos, o Quarteto nº 3 de Bartók é uma das obras mais influentes do século xx e uma das mais importantes da literatura para quarteto de cordas. O ciclo de seis quartetos de Bartók equipara-se aos últimos quartetos de Beethoven como referências incontornáveis, para que as gerações posteriores de compositores de todo o mundo explorem ao máximo a expressividade e as possibilidades desse gênero.


Composto em 1915, o Quarteto nº 2 de Heitor Villa-Lobos é obra típica da fase inicial do compositor, tanto no que diz respeito ao material harmônico quanto em relação ao tratamento formal. O conceito de forma cíclica, em que os temas de um movimento recorrem nos demais, se deve historicamente a Mendelssohn, Schumann, Liszt e Franck.


Segundo Charles Rosen, “a sonata cíclica [é uma forma] na qual cada movimento está baseado na transformação dos temas dos demais movimentos”.¹ Trata-se de um conceito modificado da forma-sonata clássica, adaptado ao estilo musical predominante do século xix. Os processos de transformação motívica ganham mais importância do que a polarização entre as áreas tonais. A ideia de variação contínua prevalece e faz com que a textura se torne mais unificada do que normalmente ocorre no estilo clássico, e o resultado é um efeito “quase hipnótico”. Outra característica importante é o deslocamento do clímax do final do desenvolvimento (típico do Classicismo) para a coda.² Essas características, herdadas do Romantismo, estão presentes no Quarteto nº 2 de Villa-Lobos.


Após a composição de seu Quarteto nº 1, bem distante da tradicional estrutura do quarteto de cordas, Villa-Lobos decidiu adotar o formato mais tradicional, em quatro movimentos contrastantes, nas obras subsequentes, dando preferência ao scherzo como movimento intermediário (segundo ou terceiro). No Quarteto nº 2, há intercâmbio entre os temas dos quatro movimentos, o que condiz com as definições habituais da forma cíclica. Além disso, as dimensões dos movimentos proporcionam a oportunidade de manipulação temática, o que dá a essa peça um fôlego composicional consideravelmente maior do que a primeira investida de Villa-Lobos no gênero.


Devido ao constante trabalho temático realizado pelo compositor no primeiro movimento, prevalece a sensação constante de desenvolvimento, compensada pela inserção de três melodias mais extensas e expressivas (temas “líricos”),  apresentadas de maneira truncada pelo primeiro violino. A textura de acompanhamento dessas melodias é nitidamente homofônica, ocasionalmente com um toque de conotação nacionalista.


No segundo movimento, “Scherzo”, Villa-Lobos explora rápidos arpejos e combinações entre o uso das surdinas e dos sons harmônicos. No entanto, a métrica em compasso binário e o caráter não chegam a evocar o humor de Beethoven nem o tom macabro/burlesco de Franck ou o exotismo de Debussy e Ravel em seus scherzos. Villa-Lobos tentou caracterizá-lo por meio de timbres e figurações, mas o caráter de scherzo ficou mais bem definido a partir do seu Quarteto nº 3.


O terceiro movimento começa com um enigmático acorde aumentado, seguido por um tema arioso. O caráter lírico da passagem faz lembrar a “Canção de Amor”, de Floresta do Amazonas (1958), também do compositor. No quarto movimento, há a recapitulação dos temas apresentados, seguindo para um final de natureza apoteótica, que se expressa pela própria aceleração do andamento.

 

O Quarteto nº 2 se tornou um marco no desenvolvimento técnico do compositor, demonstrando mais ambição em relação à forma do que no quarteto anterior e antecipando a realização mais amadurecida desse projeto composicional que viria no seguinte. É muito provável que Villa-Lobos tenha estudado os quartetos de Franck, Debussy e Ravel para assimilar os elementos que identificou como potencialmente renovadores e, com eles, forjar seu próprio estilo dentro desse meio de expressão.


1 ROSEN, Charles. Sonata Forms. Nova York: W. W. Norton, 1988, p. 3931.

 

2 Ibidem, pp. 392-3.

 

PAULO DE TARSO SALLES é compositor, professor de Teoria Musical no Departamento de Música da ECA-USP e autor dos livros Aberturas e Impasses: o Pós-modernismo na Música e Seus Refl exos no Brasil — 1970 -1980 (Ed. Unesp, 2005) e Villa-Lobos: Processos Composicionais (Ed. Unicamp, 2009).