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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
17
abr 2016
domingo 16h00 Quarteto Osesp
Quarteto Osesp: Schubert, Beethoven e Bartók


Quarteto Osesp


Programação
Sujeita a
Alterações
Franz SCHUBERT
Quarteto nº 12 em dó menor, D 703 - Quartettsatz
Ludwig van BEETHOVEN
Quarteto nº 2 em Sol maior, Op.18 nº 2
Béla BARTÓK
Quarteto nº 1 em lá menor
INGRESSOS
  Entre R$ 77,00 e R$ 100,00
  DOMINGO 17/ABR/2016 16h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

 

Béla Bartók tinha 26 anos quando compôs seu primeiro quarteto de cordas. Era relativamente recente o impacto que a Sonata em Si Menor, de Liszt, e Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss, causaram no jovem compositor, que os escutara nos anos de 1901 e 1902, respectivamente, e o levaram à composição do poema sinfônico Kossuth (1903). Apesar de já ser obra representativa da fase “húngara”, iniciada por volta de 1907, o Quarteto de Cordas nº 1 ainda guarda certas reminiscências da juventude do compositor.

 

O primeiro movimento, “Lento”, tem três partes, organizadas no padrão A-B-A, sendo a parte A densamente cromática e melancolicamente expressiva. A seção central B é marcada pelo pedal em cordas duplas na região grave do violoncelo, dando suporte a melodias expressivas e de caráter recitativo, inicialmente na viola, depois no primeiro violino. Essas são características do estilo appassionato de Bartók, presente no “Andante” inicial de Dois Retratos (1907), composto como representação idealizada da violinista Stefi Geyer — com quem esteve envolvido emocionalmente —, e depois reaproveitado como primeiro movimento do Concerto Para Violino nº 1, dedicado a ela.

 

O segundo movimento tem maior variedade expressiva, preservando em parte o caráter apaixonado do “Lento”, mas acrescentando pitadas de humor e até mesmo certa violência, expressa pelos ostinatos e pelas sonoridades mais ásperas de certos acordes que combinam os extremos grave e agudo. Pode-se dizer que o movimento se assemelha a um scherzo, revelando bem a extensão emocional da música de Bartók, em que o retorno das seções sempre sofre alguma modificação substancial de caráter e de material harmônico, como o eventual uso da escala de tons inteiros.

 

No terceiro e último movimento, Bartók reúne diversos gestos retóricos, explorando expressivamente o estilo recitativo da introdução, associado com ostinatos a partir de notas repetidas, como é comum nas músicas de caráter popular ao violino ou à rabeca. Usa frases em uníssono (ou em oitavas) nos quatro instrumentos, denotando a ideia de força, energia e comunhão, presentes na vida rústica e na simplicidade do camponês. A música de Bartók desse período reflete sua busca por uma identidade que extrapola as complexas relações políticas do Leste Europeu, inserindo-se na cultura húngara e, muitas vezes, se estendendo por toda a região dos Bálcãs.

 

Se no Quarteto de Cordas nº 1 (1907-8), ainda se encontram ecos de sua admiração pela música de Richard Strauss (1864-1949), o Quarteto nº 2 apresenta elementos que moldaram seu novo estilo de composição, forjado a partir da sua pesquisa da música folclórica, iniciada em 1905. O mergulho nessas pesquisas foi tão profundo que modificou a maneira como Bartók compreendia a música, seus processos de criação e de escuta. Basta dizer que o compositor se tornou um dos fundadores de uma nova disciplina, a etnomusicologia.

 

Inspirado pelo método do musicólogo finlandês Ilmari Krohn (1867-1960), Bartók passou a buscar novos “genótipos musicais”, catalogando características essenciais a partir das melodias populares que recolhia e anotava com precisão. Dentre essas características, estão os tipos de escala (ou modos), definindo constâncias que se tornaram identidade cultural de um grupo étnico, povo ou nação; a forma; o número de linhas melódicas; a nota cadencial de cada linha (a nota que, associada ao ritmo, dá uma sensação de repouso à frase musical); a estrutura rítmica e silábica; e o âmbito (o alcance e o registro — grave, médio ou agudo — da melodia).

 

Ao considerar a música dos camponeses uma manifestação artística pura, Bartók passou a desenvolver procedimentos baseados nesses elementos “étnicos”, buscando se distanciar do sentimentalismo exagerado e de outras convenções presentes na música europeia do século xix. Sua obra se torna progressivamente “atonal” — termo que ele mesmo repudiava —, e as estruturas rítmicas e harmônicas se baseiam em proporções simétricas, ao invés da convencional dicotomia entre consonância e dissonância. O musicólogo Ernö Lendvai sustenta que o princípio da proporção áurea está presente em diversos aspectos da criação bartokiana.1

 

Porém, Bartók não renega totalmente a tradição musical europeia: o primeiro movimento do Quarteto nº 2 é uma adaptação da forma-sonata clássica, segundo os novos critérios que o compositor passou a pôr em prática. A exposição tem três temas, que reaparecem modificados e abreviados na recapitulação; a seção de desenvolvimento começa em estilo imitativo, a partir do motivo do primeiro tema.

 

O segundo movimento tem pelo menos três partes marcantes: a seção inicial, com suas rápidas escalas em estilo cigano; a melodia expressiva do primeiro violino, com acompanhamento em pizzicato; e o prestíssimo, em que as rápidas escalas de todos os instrumentos criam uma textura cuja fluidez antecipa certas criações de Ligeti (1923-2006). O espírito geral, entre o burlesco e o irônico, bem como a forma, faz lembrar um scherzo.

 

O terceiro movimento é sóbrio, de uma expressividade sem excessos. Começa com um tema à maneira de diálogo entre os instrumentos, sugere mudança para algo mais livremente melódico, e logo retorna à trama densamente cromática do contraponto livre e atonal que caracteriza a linguagem harmônica do compositor.

 

Em 1922, Bartók juntou-se a Igor Stravinsky, Darius Milhaud e Alban Berg para fundar a ISCM (International Society For Contemporary Music), em Salzburgo. A Suíte Lírica, para quarteto de cordas (1926), de Berg, foi estreada nos concertos da ISCM e, segundo o musicólogo Elliott Antokoletz, teria influenciado Bartók a compor os Quartetos nº 3 e nº 4.

 

Os quatro movimentos do Quarteto nº 3 são tocados continuamente, sem interrupções. Apesar de intitulada “recapitulação”, a terceira parte não é uma repetição exata da primeira, e a coda (quarto movimento) acaba sendo correspondente ao segundo movimento.

 

A primeira seção, ou movimento, é a mais curta e alterna entre apresentações do tema principal — apresentado logo após a sustentação do acorde inicial — e suas elaborações. Esse tema retorna no final da seção, tocado pela viola e pelo primeiro violino sobre um ostinato do violoncelo.

 

A entrada do segundo movimento é marcada pelo trinado do segundo violino, seguido pelo glissando ascendente da viola, com sequência de acordes de três notas no violoncelo. As melodias são tocadas em pares de instrumentos, com diversas texturas de acompanhamento, até a chegada de uma fuga dupla, cujo sujeito é apresentado pelo segundo violino e pela viola, e respondido a seguir pelo primeiro violino e pelo violoncelo.

 

A dinâmica se intensifica, levando a uma passagem em que os instrumentos tocam amplos glissandos, passagens em que os dedos dos músicos “escorregam” rapidamente pela escala dos instrumentos, dando uma sensação vertiginosa. Então, o movimento se aquieta um pouco e leva às seções seguintes, em que começam as recapitulações modificadas da primeira e da segunda partes.

 

Apesar de extremamente conciso, com cerca de quinze minutos, o Quarteto nº 3 de Bartók é uma das obras mais influentes do século xx e uma das mais importantes da literatura para quarteto de cordas. O ciclo de seis quartetos de Bartók equipara-se aos últimos quartetos de Beethoven como referências incontornáveis para que as gerações posteriores de compositores de todo o mundo explorem ao máximo a expressividade e as possibilidades desse gênero.

 

1. O musicólogo húngaro Ernö Lendvai (1925-93) foi um dos principais divulgadores fora da Hungria da obra e dos processos criativos de Bartók, e escreveu livros de referência sobre o compositor traduzidos para o inglês. O uso da proporção áurea e da sequência de Fibonacci nos ritmos e nas melodias de Bartók é um dos aspectos mais relevantes no trabalho analítico de Lendvai.

 

PAULO DE TARSO SALLES é compositor, professor de teoria musical no Departamento de Música da ECA-USP e autor dos livros Aberturas e Impasses: o Pós-modernismo na Música e Seus Reflexos no Brasil, 1970-1980 (Ed. Unesp, 2005) e Villa-Lobos: Processos Composicionais (Ed. Unicamp, 2009). 


 

Escrito em 1820, o Quartettsatz (“Movimento de Quarteto”) foi originalmente concebido como primeiro movimento de um quarteto de cordas completo, do qual existem esboços de mais dois movimentos. Não sabemos as razões pelas quais sua composição foi abandonada, mas, para nossa sorte, este movimento se salvou, chegando até nós como peça isolada, porém completa e já profundamente ligada à linguagem do Schubert extremo dos últimos anos de vida.

 

O início propõe um clima de ansiedade, que se choca com a elegância e a serenidade de seus temas principais. É muito frequente que a “duplicidade” na música de Schubert seja evitada pelos intérpretes, que preferem esconder os contrastes atrás de um véu confortável de doçura e de cantabile tipicamente vienense. Pessoalmente, considero essa duplicidade uma das características mais fascinantes do gênio austríaco e um traço fundamental também em obras como A Morte e a Donzela ou o Quinteto Para Cordas. Desejo e realidade; serenidade e angústia; amor pela vida e contínua decepção com ela; culto da amizade e profunda solidão. Esses são só alguns dos contrastes interiores de Franz Schubert e de sua música; e, em menos de dez minutos, este “Movimento de Quarteto” consegue nos mostrar tudo isso.

 

Os seis quartetos Op.18 foram publicados em 1801, em duas séries de três cada, e constituem os primeiros que Beethoven escreveu. Dentre eles, o Quarteto nº 2 é o que tem mais influências das linguagens do século xviii. Já no início da obra, as figuras do primeiro violino remetem ao estilo “galante” do período.

 

O segundo movimento nos surpreende quando, após um início bastante tradicional, em que o primeiro violino se encarrega do papel principal na linha do “canto”, aparece uma segunda ideia contrastante, quase um “scherzo antes do scherzo”.

 

Depois de terminar o segundo movimento voltando ao clima inicial, Beethoven nos brinda com um leve “Scherzo” (desta vez real) e, mais uma vez, com uma clara influência de seu grande “pai espiritual” Franz Joseph Haydn.

 

O Quarteto termina com um “Allegro Molto, Quasi Presto”, que começa alternando frases do violoncelo com respostas dos demais instrumentos. A vivacidade e o brilho do diálogo nos envolvem e nos surpreendem com uma criatividade que parece antecipar a produção do chamado “período intermediário” do compositor. No contexto de um Quarteto que olha para trás e que é quase uma homenagem a Haydn, como dissemos, o último movimento vai na direção oposta, já mostrando o lado “revolucionário” do gênio de Bonn.

 

EMMANUELE BALDINI é o spalla da Osesp.

 

 

 

Béla Bartók tinha 26 anos quando compôs seu primeiro quarteto de cordas. Era relativamente recente o impacto que a Sonata em Si Menor, de Liszt, e Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss, causaram no jovem compositor, que as escutara nos anos de 1901 e 1902, respectivamente, e o levaram à composição do poema sinfônico Kossuth (1903). Apesar de já ser obra representativa da fase “húngara”, iniciada por volta de 1907, o Quarteto de Cordas nº 1 ainda guarda certas reminiscências da juventude do compositor.

 

O primeiro movimento, “Lento”, tem três partes, organizadas no padrão A-B-A, sendo a parte A densamente cromática e melancolicamente expressiva. A seção central B é marcada pelo pedal [nota sustentada] em cordas duplas na região grave do violoncelo, dando suporte a melodias expressivas e de caráter recitativo, inicialmente na viola, depois no primeiro violino. Essas são características do estilo appassionato de Bartók, presente no “Andante” inicial de Dois Retratos (1907), composto como representação idealizada da violinista Stefi Geyer — com quem o compositor esteve envolvido emocionalmente —, e depois reaproveitado como primeiro movimento do Concerto nº 1 Para Violino (1937-8), dedicado a ela.

 

O segundo movimento tem maior variedade expressiva, preservando em parte o caráter apaixonado do “Lento”, mas acrescentando pitadas de humor e até mesmo certa violência, expressa pelos ostinatos e pelas sonoridades mais ásperas de certos acordes que combinam os extremos grave e agudo. Pode-se dizer que o movimento se assemelha a um scherzo, revelando bem a extensão emocional da música de Bartók, em que o retorno das seções sempre sofre alguma modificação substancial de caráter e de material harmônico, como o eventual uso da escala de tons inteiros.

 

No terceiro e último movimento, Bartók reúne diversos gestos retóricos, explorando expressivamente o estilo recitativo da introdução, associado aqui com ostinatos a partir de notas repetidas, como é comum nas músicas de caráter popular ao violino ou à rabeca. Usa frases em uníssono (ou em oitavas) nos quatro instrumentos, denotando a ideia de força, energia e comunhão, presentes na vida rústica e na simplicidade do camponês. A música de Bartók desse período reflete sua busca por uma identidade que extrapola as complexas relações políticas do Leste Europeu, inserindo-se na cultura húngara e, muitas vezes, se estendendo por toda a região dos Bálcãs.

 

PAULO DE TARSO SALLES é compositor, professor de teoria musical no Departamento de Música da USP e autor dos livros Aberturas e Impasses: o Pós-modernismo na Música e Seus Refl exos no Brasil, 1970-1980 (Ed. Unesp, 2005) e Villa-Lobos: Processos Composicionais (Ed. Unicamp, 2009).