ENTREVISTA COM O MAESTRO CELSO ANTUNES
Como surgiu a ideia para este programa?
O programa teve origem num pedido de Antonio Meneses, que queria tocar Schelomo — Rapsódia Hebraica, de Ernest Bloch. A partir dessa sugestão, Arthur Nestrovski e eu pensamos em peças que pudessem compor uma espécie de homenagem à presença da cultura judaica na música ocidental. Temos então obras de três compositores de origem judaica, além de uma pequena peça coral de Schubert, Tov LeHodos [Cantemos ao Senhor], muito pouco conhecida mesmo entre regentes corais.
Fale um pouco sobre essa peça.
Tov LeHodos foi encomendada a Schubert para a celebração do Rosh Hashanah [Ano-novo judaico] de 1828, na Sinagoga de Viena. Pode parecer estranho que alguém como Schubert, compositor de origem católica e autor de muitas obras sacras, tenha escrito uma peça especificamente para uma sinagoga. De fato, trata-se de um caso raríssimo: Tov LeHodos é a única obra escrita em hebraico por um compositor cristão do século XIX.
O autor da encomenda foi Salomon Sulzer, um excelente hazzan [cantor], que estabeleceu um novo padrão para a liturgia na Sinagoga de Viena. Tendo recebido uma sólida formação musical, Sulzer se intitulava Kantor — termo alemão usado para designar os diretores musicais das igrejas cristãs —, e não apenas hazzan, como é o costume na comunidade judaica. Ele adaptou os cânticos hebraicos tradicionais, escrevendo para três ou mesmo quatro vozes.
Nos anos 1820, a música na igreja em Viena e arredores estava “em baixa”, a qualidade era péssima — e Sulzer transformou a Sinagoga de Viena num notável polo de produção musical.
Ernest Bloch é o menos conhecido dos quatro compositores que integram o programa — e sua peça é talvez a mais “marcadamente judaica”, tanto pelo título quanto pelas características musicais. Quem foi Bloch e quais são as particularidades dessa peça?
Bloch nasceu em Genebra e, mesmo tendo mais tarde se naturalizado norte-americano, nunca negou suas raízes judaicas. É um compositor de alta qualidade, e Schelomo [Salomão, em hebraico] — que, aliás, é a peça que o revelou para o mundo — faz parte de um ciclo de peças judaicas. A melodia é cheia de referências à música hebraica, com intervalos de segunda menor — e vale notar que se trata aqui de algo muito diferente das referências à música klezmer que aparecem tantas vezes em Mahler, por exemplo. Bloch planejava escrever uma peça vocal em hebraico quando conheceu, em Genebra, Alexandre Barjansky, um violoncelista judeu-russo. Impressionado com o talento de Barjansky, optou por compor pensando nele. A palavra cantada não deixa de ser um limitante: reduz os sentidos do discurso musical ao significado do texto. Tendo o violoncelo como “cantor”, só a música falaria.
Como Schoenberg se insere neste programa?
A Sinfonia de Câmara nº 2 é uma das obras mais maduras de Schoenberg: é quase uma peça neoclássica, ainda que tonalmente muito avançada. Digamos que o atonalismo da peça é aplacado por certos momentos quase tonais. Schoenberg começou a escrever o primeiro movimento ainda em Viena, em 1906, e só foi concluir o segundo — que é muito impactante — em 1916. Em 1939, fez algumas correções nesses dois movimentos e começou a escrever um terceiro, mas acabou desistindo e deu a peça por concluída. Nela, o conceito de “harmonias vagantes”, sobre o qual Schoenberg vinha trabalhando, se realiza plenamente — o que coloca um enorme desafio para o regente, principalmente pela questão da afinação. A peça é uma ótima porta de entrada para a obra desse grande compositor. Se alguém no público tiver medo de Schoenberg, essa é uma boa oportunidade para perder o medo.
Aproveitando sua brincadeira com o título do ciclo “Quem Tem Medo de Schoenberg?”, poderia dizer algumas palavras sobre Gurre-Lieder, que a Osesp vai apresentar em setembro?
Gurre-Lieder é uma das obras capitais do século XX — uma peça gigantesca, com um coro enorme. Foi escrita entre 1900 e 1911, ou seja: Schoenberg ainda não tinha formulado as teorias do dodecafonismo. Os primeiros compassos fazem pensar em Debussy, têm uma atmosfera meio impressionista. A peça também evoca Wagner, mas elevado à sétima potência. Gurre-Lieder tem um aspecto visionário, é uma peça bombástica: parece Richard Strauss ligado em 220. Mas ainda não é o Schoenberg que virá, por exemplo, com Pierrot Lunaire [que será interpretado pelos Alunos da Academia da Osesp em setembro].
O programa que abriu com uma peça em hebraico, de um compositor cristão, fecha com uma obra cristã, de um compositor de família judia. Pode falar um pouco sobre a peça de Mendelssohn?
Apesar de sua posição de destaque em Berlim, como um importante banqueiro (ou justamente por causa dela), o pai de Mendelssohn optou por abandonar suas origens judaicas: se converteu e batizou seus quatro filhos como cristãos. Mendelssohn compôs muita música ligada ao protestantismo. O Salmo 42 é uma obra coral-sinfônica maravilhosa, com um solo de soprano inesquecível. Vale dizer ainda que, no fim de sua curta vida, Mendelssohn tomou consciência de suas origens judaicas, como é possível depreender da leitura de suas últimas cartas.
ENTREVISTA A RICARDO TEPERMAN.
FRANZ SCHUBERT
Tov LeHodos [Cantemos ao Senhor] [1828]
4 MIN
ERNEST BLOCH
Schelomo - Rapsódia Hebraica [1916]
18 MIN
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ARNOLD SCHOENBERG
Sinfonia de Câmara nº 2, Op.38 [1906; rev. 1939]
- Adagio
- Con Fuoco
22 MIN
FELIX MENDELSSOHN-BARTHOLDY
Salmo 42, Op.42 [1837-8]
- Coro: Wie der Hirsch schreit [Assim Como Brama o Cervo]
- Ária: Meine Seele dürstet nach Gott [Minha Alma Tem Sede de Deus]
- Recitativo: Meine Tränen sind meine Speise [Minhas Lágrimas Servem-me de Mantimento]
- Ária: Denn ich wollte gern [Quando me Lembro Disto]
- Coro: Was betrübst du dich [Por Que Estás Abatida?]
- Recitativo: Mein Gott, betrübst ist meine Seele in Mir [Ó Meu Deus, Dentro de Mim Está Abatida Minha Alma]
- Quinteto: Der Herr hat des Tages verheissen seine Güte [Contudo, o Senhor Mandará a Sua Misericórdia]
- Coro: Was betrübst du dich [Por Que Estás Abatida?]
27 MIN