PYOTR IL'YICH TCHAIKOVSKY [1840-93]
Sinfonia nº 1 em Sol Menor, Op.13 - Sonhos de Inverno [1866]
SONHOS DURANTE UMA VIAGEM DE INVERNO: ALLEGRO TRANQUILLO
REGIÃO LÚGUBRE, ENEVOADA: ADAGIO CANTABILE MA NON TANTO
SCHERZO: ALLEGRO SCHERZANDO GIOCOSO
FINALE: ANDANTE LUGUBRE. ALLEGRO MAESTOSO
44 MIN
SERGEI PROKOFIEV [1891-1953]
Alexander Nevsky, Op.78 [1938]
RÚSSIA SOB A TIRANIA MONGOL
CANÇÃO SOBRE ALEXANDER NEVSKY
OS CRUZADOS EM PSKOV
LEVANTE-SE, POVO DA RÚSSIA
A BATALHA NO GELO
O CAMPO DOS MORTOS
A ENTRADA DE ALEXANDER EM PSKOV
36 MIN
Não é à toa que quando pensamos na Rússia, as imagens que nos vêm à mente são de paisagens cobertas de neve. O longo inverno, com seus rigores e belezas, tem servido como inspiração para a maioria dos compositores do país. E se, para o habitante dos trópicos, o inverno é pintado sempre em tons monocromáticos e melancólicos, os povos que passam a maior parte do ano imersos no frio não têm a mesma visão. A contraposição de Alexander Nevsky, de Prokofiev, e da Sinfonia Sonhos de Inverno, de Tchaikovsky, demonstra as muitas cores e imagens que a estação pode sugerir.
Tchaikovsky acabara de ser contratado como professor do Conservatório de Moscou, e tinha apenas 26 anos quando completou sua primeira sinfonia (em 1866). Seus professores a criticaram implacavelmente. Obediente, o jovem reescreveu tudo. Ironicamente, sua fama viria a superar em muito a de seus mestres, Rubinstein e Zaremba.
Se para qualquer um era difícil dominar a composição de um gênero tipicamente germânico, para os russos a pressão era ainda maior: tinham que mostrar completo domínio da forma, ao mesmo tempo desvelando um caráter intrinsecamente nacional. Fenômeno semelhante ainda pressiona os brasileiros, sempre obrigados a serem exóticos. De fato, desde esta sinfonia já estavam definidos os traços que viriam a marcar o estilo próprio do compositor, ao mesmo tempo profundamente ligado à sua pátria e com um lastro ocidental. Ao contrário dos colegas que escolhiam motivos curtos, burilados à exaustão, Tchaikovsky preferia valer-se de linhas eminentemente vocais e ritmos de dança.
O Allegro estabelece de imediato um clima mágico, com solo elegíaco de flauta e fagote em oitavas sobre cordas tremulantes. O compositor explora as possibilidades expressivas de cada instrumento da orquestra, jogando fragmentos temáticos de um para outro, adensando aos poucos a orquestração. Finalmente, depois de ter sido engolido por tempestades sonoras, o tema inicial é trazido de volta para fechar o movimento.
No Adagio, o oboé entoa um canto nostálgico, pontuado pelos outros naipes. A instrumentação é fabulosa, criando sonoridades ricas que capturam o ambiente das planícies geladas. O efeito é de melancolia suave, não de desolação aguda. A solitária melodia cresce e se expande sem oposição, passeando por vários timbres e se transformando em poderosa massa sonora. O ouvinte tem impressão de que esse movimento utiliza uma única e sedutora frase, que se reafirma sem qualquer artificialismo técnico.
Com vestígios de Mendelssohn e Schumann, o Scherzo mostra o autor já em plena forma, e seu tema encantador ganha cada vez mais vida ao ser alternado entre todos os instrumentos. Ao invés de ser intercalado com o trio habitual, é completado por uma valsa sentimental, deliciosa e fluente, que caminha perigosamente no limite da pieguice, mas se esquiva sempre no último instante, com humor e brio. Um efeito particularmente notável é o uso de tímpanos que se superpõem ao retorno do tema principal.
No Finale, uma canção folclórica russa evoca um quadro da vida no campo. O início é vagamente sombrio, mas a música acaba escapando do caráter fúnebre insinuado, tornando-se festiva, opulenta e triunfante. Aqui Tchaikovsky faz uso deliberado de todos os recursos composicionais, com extensas passagens contrapontísticas, pizzicatos e síncopes generosamente semeados; estava completa a síntese da tradição russa com a forma vienense.
O próprio sucesso desta síntese, no entanto, provou ser uma faca de dois gumes para os russos. Uma música que empolga a plateia e rejeita os cânones dos monstros sagrados alemães, que ousa ser acessível e impactante à primeira audição, não podia mesmo deixar de ser tachada de superficial ou menor. Até hoje, críticos e especialistas frequentemente menosprezam a arte visceral de Tchaikovsky e seus conterrâneos.
Prokofiev igualmente sofreu de preconceito por parte dos críticos. A cantata Alexander Nevsky carrega ainda o estigma de ser identificada a uma trilha sonora de filme. Originalmente escrita para a película de mesmo nome lançada em 1938 pelo diretor Sergey Eisenstein, tem como assunto a saga de um príncipe do século XIII que vence invasores em terrível batalha sobre um lago gelado.
O filme recebeu farto apoio do governo russo, que percebia nele um excelente veículo de propaganda política, enquanto conclamava o povo a lutar contra os alemães. Depois que o pacto de não-agressão foi assinado por Stalin e pela Alemanha, o filme foi proibido, vindo a ser novamente exibido apenas quando a Alemanha invadiu a Rússia.
Enquanto o filme estava no ostracismo, Prokofiev adaptou a partitura para ser executada como cantata para solista, coro e orquestra. Seguindo o tom do filme, repleto de cenas de batalha, sofrimento e morte, a música é apropriadamente heroica, desolada, às vezes até agressiva e rascante, permeada de melodias folclóricas russas, temas doloridos e épicos. A parte mais famosa da cantata é a luta no gelo, que começa em quietude ansiosa, e se transfigura em balbúrdia e confusão, retratando a loucura e o desespero dos soldados. A familiaridade dos russos com a natureza hostil leva à sua salvação: os russos atraem os germânicos para o lago congelado e o enorme peso das armaduras e dos cavalos faz com que o gelo rache, levando à derrota do exército inimigo.
A escrita de Prokofiev é dissonante e moderna, quando quer criar a sensação das estepes inóspitas e do cruzar de armas, mas utiliza também uma sonoridade quase litúrgica quando pretende evocar a Idade Média, época em que se desenvolve a história.
Laura Rónai