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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
27
out 2016
quinta-feira 10h00 Ensaio Aberto
Ensaio Aberto: Fischer e Mendes


Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Thierry Fischer regente
Lina Mendes soprano


Programação
Sujeita a
Alterações
Hector BERLIOZ
O Rei Lear, Op.4
Les Nuits d'Été, Op.7
Antonín DVORÁK
Sinfonia nº 9 em Mi Menor, Op.95 - Do Novo Mundo

 

Durante o Ensaio podem acontecer pausas, repetições de trechos

e alterações na ordem das obras de acordo com a orientação do regente. 

INGRESSOS
  R$ 10,00
  QUINTA-FEIRA 27/OUT/2016 10h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

Como maestro, crítico, escritor, polemista e, acima de tudo, compositor, Berlioz transformou a paleta musical no século xix. Não chega a surpreender que uma imaginação tão vigorosa tenha sido ridicularizada em seu próprio tempo: afinal, Berlioz ainda não é completamente compreendido nem nos dias atuais. Mas hoje, livres das performances desastrosas que sua música recebeu cem anos atrás, já conseguimos capturar algo do seu dom para a cor e a melodia.

 

Berlioz tentou seguir a carreira do pai, médico, iniciando estudos na École de Médicine, em Paris, em novembro de 1821. Nesse mesmo período, teve aulas particulares de composição com Jean-François Lesueur (1760-1837). Fascinado por música, Berlioz já havia aprendido a tocar violão e flauta, fizera arranjos para um conjunto local, compusera cerca de vinte peças curtas e publicara sua primeira obra em 1819. Três anos depois de chegar à capital, desistiu da medicina.

 

Aos 22 anos, entrou no Conservatório de Paris, continuou a estudar com Lesueur e acrescentou aulas de contraponto e fuga com Antoine Reicha (1770-1836). Em cerca de um ano, concebeu sua primeira ópera, Les Francs-Juges [Os Juízes Livres], que não foi bem recebida. Em 1828, obteve o segundo lugar no Prix de Rome, com Herminie, cantata com texto de Pierre-Ange Vieillard (1778-1862). O compositor também idealizou o que viria a se tornar A Danação de Fausto, oratório profano inspirado em Goethe. Em sua terceira tentativa, arrebatou o primeiro lugar do Prix de Rome, com Sardanápalo, em 1830.

 

A abertura O Rei Lear, baseada na obra homônima de Shakespeare, foi composta no período em que esteve na Itália para receber o prêmio. A preocupação do compositor com os personagens revela seu crescente domínio da linguagem musical. Curiosamente, sua capacidade para compor de cabeça, sem anotar nada, resultou em sua expulsão da Itália. Enquanto compunha O Rei Lear, foi interrogado pelo chefe de polícia e acusado de envolvimento com o movimento político Jovem Itália. “Sabemos que é impossível compor enquanto se anda pela beira do mar, sem papel, lápis ou um piano”, disse o policial. “O senhor não pode mais ficar aqui.”

 

CHARLES BARBER é compositor, regente e diretor artístico da Ópera da Cidade de Vancouver e doutor em Artes Musicais pela Universidade de Stanford. Texto do encarte do CD Berlioz: Overtures (Naxos, 1994), reproduzido sob autorização. Tradução de Jayme Costa Pinto.


 

A Sinfonia nº 9, do compositor checo Antonin Dvorák, é uma das peças clássicas mais executadas do repertório internacional, com frequentes apresentações em todo o mundo. Especialmente popular é o vibrante quarto movimento, “Allegro Con Fuoco”, cuja forma cíclica, na qual se recuperam os principais motivos da peça, paga o devido tributo ao Romantismo e, sobretudo, à obra de Johannes Brahms, mestre e principal apoiador de Dvorák no início de sua carreira.

 

Popularidade ignora fronteiras. Na primeira viagem à Lua, a bordo do Apolo 11, Neil Armstrong não se esqueceu de levar uma gravação da Sinfonia. Afinal, que composição poderia ser mais adequada para celebrar o desbravamento de um autêntico “novo mundo”? Eis o subtítulo dado pelo compositor à Sinfonia nº 9, estreada em Nova York, em 1893: Do Novo Mundo (na tradução consagrada no Brasil).

 

Subtítulo cuja ambiguidade importa recuperar.

Ora, mas tudo parece tão claro!

 

Dvorák teria sido perfeitamente antropofágico, temperando a estrutura europeia da sinfonia, sistematizada e aperfeiçoada por Joseph Haydn e Mozart, com a sonoridade dos spirituals afro-americanos, dos temas indígenas e do folclore checo. Em boa medida, o êxito da composição relaciona-se com esse tecido musical múltiplo, contemplando uma escala ampla de ritmos e de motivos.

 

Esse caminho interpretativo já foi muito palmilhado.

Tentemos um desvio, portanto.

 

Comecemos pelo princípio, relendo o subtítulo. From The New World quer dizer, literalmente, “desde o Novo Mundo”; vale dizer não apenas uma sinfonia sobre, mas também, e sobretudo, uma peça escrita no Novo Mundo. Assim, a questão fica ainda mais interessante, já que muito mais complexa.

 

Dvorák residiu por quase três anos em Nova York, no posto de diretor do National Conservatory of Music of America. Sua tarefa era nada menos que estabelecer os parâmetros da formação em música clássica nos Estados Unidos. O compositor chegou à América num ano emblemático: era 1892, isto é, no aniversário dos quatrocentos anos da primeira viagem de Cristóvão Colombo ao futuro “Novo Mundo”. A estreia mundial da Sinfonia nº 9 ocorreu no ano seguinte, no Carnegie Hall, e a peça conheceu um êxito imediato de público e de crítica.

 

Com os anos, tal sucesso só cresceu. Temas da Sinfonia nº 9 são aproveitados em programas de televisão, na trilha sonora de filmes e, hoje em dia, chegaram inclusive ao universo dos jogos eletrônicos.

 

Reitero: a Sinfonia nº 9 foi escrita e apresentada em Nova York, no âmbito das celebrações do quarto centenário da viagem de Colombo. Essa circunstância estimula uma aproximação instigante entre a sinfonia de Dvorák e a obra de inúmeros artistas e autores latino-americanos.

 

O ensaio crítico mais conhecido de Machado de Assis, “Notícia da Atual Literatura Brasileira – Instinto de Nacionalidade”, foi especialmente escrito para uma revista publicada em Nova York, em 1873. Como se chamava a revista, editada por Salvador Mendonça? Isso mesmo: O Novo Mundo.

 

Aliás, um dos redatores da revista foi Joaquim de Sousa Andrade, o Sousândrade, autor do visionário poema longo O Guesa Errante, publicado pela primeira vez na Nova York onde morava o poeta. Um dos pontos altos de sua criação linguística relaciona- se com o universo dos especuladores da cidade, num fragmento nomeado por Haroldo e Augusto de Campos “Inferno de Wall Street”.

 

A vocação pan-americana da poética de Sousândrade foi retomada num ensaio emblemático do poeta, pensador e revolucionário cubano José Martí. Refiro-me a “Nuestra América”, texto fundador do ensaísmo latino-americano, escrito e publicado em Nova York, em 1891, na Revista Ilustrada.

 

No ano seguinte, Antonin Dvorák chegou à cidade.

Exemplos similares são legião.

 

Federico García Lorca cifrou, em versos poderosos, sua experiência na cidade: Poeta en Nueva York, livro lançado postumamente, em 1940.

 

Nesse mesmo ano, Piet Mondrian mudou-se para Nova York como quem desembarca num sonho. O traçado urbano da cidade convidava à surpreendente descoberta: por fim, o artista habitava a própria obra! Tal alumbramento foi traduzido na tela-emblema Broadway Boogie-Woogie, de 1943.

 

Adotemos a forma cíclica da própria Sinfonia nº 9: estar em Nova York é o leitmotiv que reúne todos esses nomes.

 

Mais: Dvorák cifrou a virtual onipresença da cidade numa reflexão musical de grande vigor.

 

Portanto, ao apreciar a execução desta peça, não se esqueça do desafio enfrentado pelo compositor checo. Isto é, o mundo contemporâneo, inaugurado no século xx, exige a compreensão do “Novo Mundo” norte-americano que se impôs como potência mundial na segunda metade do século xix.

 

Em tempo: em 1895, apesar de receber um salário considerável, Dvorák retornou à Europa. Provavelmente, nunca encontrou no “Novo Mundo” nova-iorquino o célebre “Brave New World”, imaginado por Miranda, personagem de A Tempestade, de William Shakespeare; peça que, em boa medida, inaugurou o motivo do “Novo Mundo”.

 

Tempestade, aliás, que não deixa de marcar presença nos momentos mais impactantes do quarto movimento desta Sinfonia do Novo Mundo.

 

JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é professor de literatura comparada na Uerj, autor de Machado de Assis: Por Uma Poética da Emulação (Civilização Brasileira, 2013; “Prêmio Sílvio Romero”, 2014, Academia Brasileira de Letras) e Por Uma Esquizofrenia Produtiva da Prática à Teoria (Argos, 2015).


 

Berlioz foi um genial inventor musical, descobridor de novas formas que influenciou grandes compositores dos séculos XIX e XX.


Les Nuits d’Éte inaugura os ciclos de canções para orquestra, abrindo caminho para outros compositores tais como Mahler, Strauss, Ravel e Debussy. Para formar esse ciclo, Berlioz selecionou seis poemas da coletânea La Comédie de La Mort, de Théophile Gautier, publicados em 1838. Apesar de cada poema ter um argumento e um protagonista distinto, o tema do amor malogrado dá unidade ao conjunto. Esse ciclo é uma obra chave da música vocal francesa, que configura um modelo musical e literário totalmente novo, cujo trabalho refinado de combinações entre a prosódia e a melodia será depois desenvolvido e ampliado por Debussy.


A versão original para voz e piano foi composta entre 1840 e 1841. A versão orquestral é de 1856. Cada canção foi dedicada originalmente a seis cantores com diferentes classificações vocais, no que se refere à tessitura, sugerindo que o ciclo pode ser cantado tanto por vozes masculinas quanto femininas. A primeira canção tem como subtítulo Villanelle rythmique, pelo uso livre que o poeta faz da fala francesa na estrutura do poema. É uma canção de sabor popular, onde algumas bruscas alternâncias da harmonia, típicas da música de Berlioz, nos fazem pensar, hoje, em alguns Lieder de Richard Strauss.


Le Spectre de la Rose, a segunda canção, é também título de uma famosa cena coreográfica de Nijinsky sobre a peça L’Invitacion à la Valse, de Weber, orquestrada com precisão por Berlioz. Para o tema romântico dessa poesia, Berlioz inventa uma larga melodia de inspiração instrumental, com um legato um pouco all’italiana que se serve do texto mais como apoio do que como elemento primário da composição. O texto, aqui, oferece uma situação dramática que o compositor desenvolve através de um tratamento musical que valoriza o conteúdo afetivo de cada estrofe.


Com a terceira canção, Sur les Lagunes, cujo subtítulo é Lamento ou A Canção do Pescador, introduz no ciclo um novo estilo, uma nova proposta expressiva, através de uma fusão mais íntima da palavra com a música. Não é uma melodia de sentimentos, mas das palavras, diferente do caráter mais instrumental da canção anterior. A peça termina suspensivamente sobre o tom da dominante, depois dos últimos versos: “Ah! sans amour s’en aller sur la mer! S’en aller sur la mer!”


Absence é a canção mais conhecida do ciclo, que apresenta, numa expressão cara aos violinistas, uma maneira de cantar alla corda uma melodia típica da invenção berlioziana.

 

Na penúltima canção, Au Cimetière, Berlioz apresenta uma extraordinária qualidade poética de sua invenção harmônica – 50 anos mais tarde, outro compositor francês, Duparc, retomará um pouco dessa atmosfera expressiva em sua canção L’Invitacion au Voyage. Sobre os primeiros versos, a linha vocal faz uso de três notas que flutuam sobre dois acordes oscilantes, que resultam numa surpreendente alteração de tonalidade para Dó Maior.


Para fechar o ciclo, Berlioz retoma um pouco o caráter popular e ligeiro da primeira melodia. Em L’île inconuue, a poesia convida a uma viagem em lugares exóticos, Java, Báltico, Pacífico, Noruega: “Dites, la jeune belle, Où voulez-vous aller?” [Diga, bela jovem, onde quer ir?]. Outra viagem a lugares exóticos imaginários será o tema da primeira canção de Ravel no ciclo Shéhérazade: “Asie, vieux pays merveilleux des contes de nourrice...” [Ásia, velha terra maravilhosa dos contos de fada...]. [2003]


EDUARDO GUIMARÃES ALVARES [1959 -2013] compositor e professor, é o autor de A Lua do Meio-Dia [encomenda Osesp, 2013], entre muitas outras obras.