TCHAIKOVSKY
Manfred, Op.58 - Sinfonia em Quatro Quadros /TCHAIKOVSKY EM FOCO
Na sua nova residência em Maidanovo, no ano de 1885, Tchaikovsky compõe Manfred, Sinfonia em Quatro Quadros, destinada a ser a primeira grande obra da última fase de sua vida. Balakirev havia adaptado um resumo do enredo — baseado em poema de Lord Byron — e ofereceu-o a Tchaikovsky, que o aceitou relutantemente, dizendo: “É mil vezes mais agradável trabalhar sem programa. Quando componho uma sinfonia programática, tenho continuamente a sensação de estar iludindo o público e de pagar uma conta com moeda falsa”. Com o passar do tempo, entretanto, passou a considerar Manfred como uma de suas melhores obras, talvez por sentir nela a presença forte de seu próprio drama existencial.
Manfred vagueia pelos Alpes, sem rumo, o coração torturado, tomado de remorsos. Clarinetes e fagotes acolhem esses sentimentos. A feiticeira dos Alpes surge sob o arco-íris da catarata, mas nem mesmo o ritual de magia ou a invocação dos poderes do Inferno o ajudam a resolver o enigma. Como apagar de seu coração a memória de sua belíssima irmã, Astarte, e o amor culpado que o consome? Manfred erra pelo mundo, vítima do mais desesperado horror. Este episódio permitiu a Tchaikovsky esculpir um scherzo sublime que traz aos ouvidos o rumorejar da água, o cintilar das gotas ao sol, as cores do arco-íris, na paleta sonora da orquestra. A fada surge, envolta pelo murmúrio dos arcos, em contraste com o tema de Manfred. A tranquila vida montanhesa toma corpo (na voz do oboé) numa pastoral, que não descreve a natureza, mas sim o universo íntimo de um homem em conflito consigo mesmo (um hino, um anseio à vida pura, livre e tranquila dos habitantes da montanha), “Ah! Não poder ser feliz como esta gente simples!” — é talvez o lamento do próprio Tchaikovsky, através da metáfora de Manfred.
Na última parte, Manfred é admitido no palácio subterrâneo de Ahriman (príncipe dos Infernos). Ali, agita-se numa bacanal orgiástica, num último esforço catártico para exorcizar a vida e purgar seus males. Ao ser invocada, surge Astarte, anunciada pelas harpas. Ela declara o fim dos sofrimentos terrenos de seu irmão, que exala um último suspiro — ao som do órgão que entoa o tema penoso e hierático do Dies Irae.
Walter Lourenção é formado em Filosofia pela USP; foi Maestro do Theatro Municipal
de São Paulo e fundador de várias orquestras, corais e grupos de câmara,
além de diretor de programação do Masp durante 10 Anos.
Leia sobre Pyotr I. Tchaikovsky no ensaio "Tchaikovsky, Sinfonista Patético", de Richard Taruskin, aqui.