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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
17
set 2017
domingo 16h00 Recitais Osesp
Recitais Osesp: Isabelle Faust


Isabelle Faust violino


Programação
Sujeita a
Alterações
Johann Sebastian BACH
Sonata nº 1 em sol menor, BWV 1001
Partita nº 1 em si menor, BWV 1002
Sonata nº 2 em lá menor, BWV 1003
Partita nº 3 em Mi maior, BWV 1006
Sonata nº 3 em Dó maior, BWV 1005
Partita nº 2 em ré menor, BWV 1004
INGRESSOS
  Entre R$ 85,00 e R$ 110,00
  DOMINGO 17/SET/2017 16h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

“Sei Solo, à violino senza basso accompagnato”


Esse título que Johann Sebastian Bach escolheu para o seu célebre conjunto de obras para violino solo é, sem dúvida, bastante incomum. A que ponto essa coletânea foi renomeada, ou enquadrada das mais diversas maneiras, desde os tempos de Bach até os nossos dias – “Estudos”, “Sonatas”, “Sonatas e Suítes”, ou mais comumente “Sonatas e Partitas” – só nos confirma o lugar único e inclassificável que esse monumento da literatura violinística tem no panteão das grandes realizações artísticas de todos os tempos.


Essa grandeza, que hoje tem o seu devido reconhecimento, já pode ser notada no título, que encerra (como tudo na música do Mestre) diversas conotações e desdobramentos. A primeira indicação, mais óbvia, mostra a ambição do compositor em suprimir aquele que era um componente essencial da construção musical barroca – o basso continuo, que desempenhava ao mesmo tempo a função de acompanhamento da voz principal também fonte e guia de toda a lógica da composição, por isso muitas vezes chamado de fondamento. Destas duas funções, Bach se livra somente do acompanhamento, trazendo desde a gênese um imenso desafio para o desempenho da voz solista. A outra função, o alicerce da composição, o Mestre nos ensina como mantê-lo, porém engenhosamente embutido na linha do violino, que a partir daí passa a ser autoguiado, por si mesmo, somente.


É aqui que entra a parte mais enigmática – se não mística – do título. “Sei solo” em italiano quer dizer “você está sozinho”. Uma explicação mais pragmática (e com certeza, menos criativa) seria dizer que Bach cometeu um erro gramatical, ao querer dizer na verdade “Sei soli” (seis solos) para anunciar as 3 Sonatas e 3 Partitas do livro. Porém, como não pensar que a singularidade desta coletânea de obras titanicamente difíceis para o violinista significa de fato uma espécie de caminho iniciático, um rito de passagem rumo às alturas da mais destilada pureza musical e maestria do violino, que o músico deve – e só pode – percorrer sozinho, na reclusão de uma vida dedicada ao aperfeiçoamento que essas páginas exigem?


Se os números místicos e as alusões retóricas e teológicas se manifestam a todo momento na música de Bach, não seria uma surpresa constatar que o jogo de palavras no título também fazia parte do esmero e respeito que o compositor tinha pela própria criação.


Em Bach, nunca será implausível descobrirmos que esses “solos/solitários”, disfarçados de formas barrocas convencionais (danças em estilo francês para as Partitas e modelo italiano, lento-rápido-lento-rápido, para as Sonatas) contêm camadas diversas, que atingem uma verdadeira dimensão espiritual. Lembremos que a célebre “Ciaccona” foi composta a partir de um coral luterano sobre a morte, e a grande Fuga em Dó Maior se ergue sobre o tema “Komm! Heilige Geist”. No momento em que Bach assina sua criação (anno 1720), ele acaba de perder sua esposa Maria-Barbara, vindo assim ao confronto da dura realidade da solidão em sua vida, um novo sofrimento que confirma o aprendizado que sua infância de quase órfão lhe ensinou: um homem é sempre só, face a face com o seu destino.


Esse conjunto magistral de peças, simetricamente construídas dentro de sua enganosa extravagância, mostra a amplitude, a inventividade e a força do discurso possível dentro dos limites mais estreitos: 4 dedos e 4 cordas. Um universo improvável que, através de um aparente sacrifício do intérprete, nos brinda com a melhor música que se poderia conceber. A mais variada possível, a mais polifônica imaginável neste contexto.


Se outros compositores virtuoses também criaram admiráveis obras explorando as possibilidades do violino solo, nenhum outro opus nutre-se de tanta vastidão, tanta profundidade e inesgotáveis ensinamentos sobre o artesanato e o ofício musical. Estamos diante de um monumento incontornável para todo violinista e para os verdadeiros amantes da Música. E paradoxalmente, nunca sozinhos, mas sim na melhor companhia possível...

 

LUIS OTAVIO SANTOS é violinista e maestro, especialista em Música Antiga.

Professor Convidado do Conservatório de Bruxelas e Coordenador do

Núcleo de Música Antiga da Emesp. Em 2016 e 2017, coordenou o

Grupo de Música Antiga do Festival de Inverno de Campos do Jordão.


Leia o ensaio "O Desafio de Interpretar um Grande Mestre", de Isabelle Faust, aqui.