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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
23
jun 2016
quinta-feira 21h00 Jacarandá
Osesp: Alsop e Gomyo


Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Marin Alsop regente
Karen Gomyo violino
Coro da Osesp
Coro Acadêmico da Osesp
Solistas do Coro Infantil da Osesp


Programação
Sujeita a
Alterações
Pyotr I. TCHAIKOVSKY
Concerto Para Violino em Ré Maior, Op.35
Leonard BERNSTEIN
Chichester Psalms
Heitor VILLA-LOBOS
Choros nº 10 - Rasga o Coração
INGRESSOS
  Entre R$ 42,00 e R$ 194,00
  QUINTA-FEIRA 23/JUN/2016 21h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

“Que sorte morarmos perto desse teatro, não é, Pedro? Do ladinho mesmo dele. A orquestra está ensaiando, está ouvindo? Longe, mas eu estou ouvindo. Anunciaram para a próxima semana o Concerto Para Violino em Ré Maior, de Tchaikovsky. É considerado um dos melhores concertos já feitos para o instrumento e um dos mais difíceis, e é muito executado hoje em dia. Li no Google. É lindo, Pedro. Assisti na internet. E nós vamos escutar o ensaio todo, não é uma maravilha?”

 

“Já fechei o expediente.”

 

“É um dos concertos mais famosos, Pedro. Este é o primeiro movimento: ‘Allegro Moderato’; depois vem o segundo: ‘Canzonetta: Andante’, e o terceiro é o ‘Finale: Allegro Vivacissimo’. Até os nomes são bonitos, não é mesmo? Já começou. Está ouvindo? Põe a mão em concha no ouvido que melhora. O violino ainda não entrou, só a orquestra está tocando. Tão bonito, não é? Vamos assistir, vamos?”

 

“Não há dinheiro.”

 

“A gente ainda tem uma reservinha. Agora está entrando o violino, presta atenção, Pedro, é lindo...”

 

“Chama sua mãe.”

 

“Você sabe que ela não sai mais da cama. Isso agora foi maldade, né, Pedro?”

 

“Tenho que dormir.”

 

“Puxa, Pedro, quanta tristeza você não gostar de música, de uma das coisas mais bonitas que existem no mundo. Não tem tanta coisa bonita assim no mundo, mas a música é uma delas, sabe, Pedro... Onde você está? Nessa luzinha que você acende de noite no quarto não se enxerga nada. Tanta economia, santo Deus...”

 

“Estou por aqui.”

 

“Deixa eu te contar, Pedro, uma coincidência enorme entre Tchaikovsky, a mulher e nós. Calcula que ele se chamava Pedro e ela, Antonina. Por pouco nossos nomes não são iguais, né? Mas a história deles é muito triste, tristíssima mesmo, Pedro. Imagina que o casamento só durou umas semanas. Semanas, Pedro! Parece que na hora da despedida ela implorou para que ele não fosse embora, e ele então dizia: ‘Lamento muito, Antonina, mas preciso me afastar’. As lágrimas dela então pularam em cima dele. Que tristeza, meu Deus... Ele então dizia: ‘Só compreendo suas lágrimas como um cristal em seus olhos, para amplificar o brilho do seu olhar’. Tchaikovsky era muito romântico. Russo, não é? Parece que são todos assim. E a pobre Antonina sofria a não mais poder. Depois então ele fugiu, viajou para uma aldeia na Suíça, perto de um lago, e ficou olhando pra ele, olhando para o lago, não é?, e em um mês, um mês!, Pedro, ele compôs esse concerto, acredita? Ainda compôs outras músicas também, mas ouve só agora, ouve... a ‘Canzonetta’, a parte mais bonita desse concerto, é famosa, Pedro, muito famosa.”

 

“Mulher atrapalha.”

 

“Sabia que ele começou a gostar de música quando ouvia a mãe dele cantar?... Mãe é mãe, né? Faz até filho compositor. Mas a história deles é triste demais, a mãe morreu cedo e ele nunca se conformou. Eles se adoravam, Pedro. Sabe o que ele dizia depois do que aconteceu? Que ele só se alegrava quando estava triste. Não sei se você entende, Pedro, mas eu compreendo perfeitamente. Ah, tive uma ideia! Sabe o que eu pensei agora, neste minuto, que nós nunca fizemos amor escutando música clássica... É o que deve estar faltando na nossa relação. Alma, Pedro, alma! Além disso deve ser demais, né? Demais mesmo. Você não acha?”

 

“Demais.”

 

“Vira pra cá, Pedro, vira. Acho que vou chorar.”

 

“Espera, olha minha coluna. Agora é que tinha encontrado um jeito na faixa de ciclista que me cabe nessa cama...”

 

“Vem, Pedro...”

 

“Tô virando, calma. Por que você vai chorar? Está com dor?...”

 

“Já comecei. Ainda não tinha te contado, mas não posso escutar violino, Pedro. Desde menina que eu sou assim. Sempre adorei música, queria ser pianista ou violinista, mas não pude estudar porque minha família não tinha como pagar as aulas, muito menos comprar o instrumento. Talvez por isso nenhum som me dê tanta tristeza quanto o do violino... É um som doce, agudo, comprido, que vai entrando em mim, e eu vou ficando molinha, fraca, triste e muito feliz... Entende, Pedro? Me abraça. Abraça, Pedro. Quanta tristeza você não gostar de música, nem mesmo desse concerto, que é a coisa mais linda que existe. É tão difícil pra mim ser infeliz, Pedro, tão difícil, você não tem ideia...”

 

“Agora vamos dormir que passa. Queria tanto ter uma vida normal.”

 

“Eu vou assistir ao ensaio até o fim!”

 

“Então não me chama mais. Amanhã eu trabalho, você sabe.”

 

“Já entendi que não posso dividir coisas boas com você, Pedro. Entendi mesmo. O concerto está no final, não custava nada você esperar um pouquinho. Na vida a gente tem que sofrer um pouco. Todos nós. Eu estou fazendo a minha parte. Ah, meu Deus, que final lindo, e eu aqui ouvindo toda essa beleza sozinha, triste, no nosso quarto, choran... Que maravilha! Viva! Viva! Bravo!!”

 

“Gritando, Antonia!?...”

 

“Bravo!! Bravo!!”

 

LIVIA GARCIA-ROZA é escritora e psicanalista, autora de Cine Odeon (Record, 2001) e Solo Feminino (Companhia das Letras, 2002), indicados ao Prêmio Jabuti de Literatura. Este texto de ficção foi escrito a convite da Revista Osesp.

 

 

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Tchaikovsky, que se via como um herdeiro de Mozart e da música francesa, teve seu Concerto Para Violino assim descrito pelo crítico Eduard Hanslick na sua estreia, em Viena: “Vemos claramente a selvageria de rostos vulgares, ouvimos palavrões, sentimos cheiro de vodca […]. É música que fede aos ouvidos.” Obviamente, os violinistas de gerações seguintes não compartilharam essa opinião e fizeram dele uma das obras mais populares do repertório.

 

Tchaikovsky compôs o Concerto na Suíça, logo depois de conhecer a Rapsódia Espanhola, de Édouard Lalo, que lhe deu a receita de “não se esforçar para ser profundo, mas cuidadosamente evitar a rotina”. A riqueza lírica de Tchaikovsky, sua leveza de balé e a mão certeira com que retarda a consumação dos pontos culminantes deram uma nova dimensão, realmente pouco rotineira, à forma do concerto para solista e orquestra. [2011]

 

FÁBIO ZANON é violonista e professor da Royal Academy of Music de Londres e autor de Villa-Lobos (Coleção “Folha Explica”, Publifolha, 2009). Desde 2013, é o coordenador artístico-pedagógico do Festival de Inverno de Campos do Jordão.

 

 

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No início de dezembro de 1963, Leonard Bernstein recebeu uma carta do reverendo Walter Hussey, da Catedral de Chichester, em Sussex, na Inglaterra: “O organista e regente do coro da catedral, John Birch, e eu pretendemos encomendar uma peça musical que possa ser cantada por um grupo de coros no Festival de Chichester, em agosto de 1965, e gostaríamos de saber se o senhor estaria disposto a compor algo nessa linha. Tenho consciência de que o senhor é extremamente ocupado, mas se conseguisse nos atender ficaríamos enormemente honrados e agradecidos. Temos em mente algo baseado no Salmo 2, ou em parte dele, com ou sem acompanhamento de orquestra e órgão. Menciono isso apenas para dar uma ideia do que imaginamos.”

 

O reverendo Hussey era um conhecido defensor das artes, tendo encomendado trabalhos de artistas plásticos, poetas e compositores. Essas encomendas incluem uma peça de altar pintada por Graham Sutherland, vitrais de Marc Chagall, uma escultura da Virgem com o Menino Jesus de Henry Moore, uma ladainha e um hino de W. H. Auden e, talvez a mais notável, a cantata Rejoice in The Lamb [Regozijai-vos no Cordeiro], de Benjamin Britten.

 

Embora a solicitação original do reverendo Hussey falasse no Salmo 2, Bernstein respondeu com “uma suíte de salmos, ou de versículos selecionados de salmos”, sob o título de trabalho Salmos da Juventude (o compositor mudou o título porque sinalizava, erroneamente, que a peça era fácil de tocar). Hussey esperava que Bernstein se sentisse livre para compor seguindo uma veia mais popular, apesar da natureza sacra da encomenda: “Ficaríamos encantados se houvesse na peça uma sugestão de West Side Story.” 

 

Bernstein compôs os Salmos de Chichester em meio a uma agenda das mais atribuladas e completou, assim, seu primeiro trabalho desde a Sinfonia no 3 — Kaddish, de 1963, em memória do presidente Kennedy. As duas peças combinam corais que cantam textos em hebraico, com forças orquestrais, mas, enquanto Kaddish é uma declaração de angústia e desespero profundos, os Salmos de Chichester transmitem esperança e afirmação da vida. 

 

Ao contrário de boa parte das peças que compôs (mas não concluiu) durante seu período sabático, os Salmos de Chichester são fortemente embasados na tonalidade. Bernstein comentou numa entrevista, em 1977: “Passei quase o ano todo compondo música de 12 tons e até coisas mais experimentais. Fiquei feliz que todos esses sons novos estivessem emergindo. Mas depois de seis meses de trabalho, joguei tudo fora. Não era música. E não era honesto. O resultado final são os Salmos de Chichester, que é a peça tonal mais acessível que já compus.” Bernstein esboçou seu conceito num poema que enviou ao jornal The New York Times:

 

Por horas a fio meditava, pensava

Em materiae musicae, usada e abusada;

Em aspectos da não convencionalidade

Na morte, nestes dias, da tonalidade...

Peças para o infindável cacarejo de sopranos

Com esquadrões de vibrafones,

        frotas de pianos

Tocados com antebraços, pulsos, 

        palma da mão —

E aos Salmos de Chichester cheguei então.

...Meu mais novo rebento, daqueles que

        não se fazem mais.

E ele para firme, ereto, sobre seus

        dois pés tonais. 

 

Os Salmos de Chichester justapõem a composição vocal normalmente associada à música de igreja (incluindo homofonia e imitação) com a tradição litúrgica judaica. Bernstein pediu especificamente que o texto fosse cantado em hebraico (a partitura original nem sequer inclui uma tradução para o inglês), recorrendo aos contornos melódicos e rítmicos do idioma para ditar o ânimo e o caráter melódico. Ao combinar as tradições corais hebraicas e cristãs, Bernstein lançava um apelo implícito pela paz em Israel durante aqueles tempos turbulentos da jovem história do país.

 

Cada um dos três movimentos dos Salmos de Chichester contém um salmo completo e trechos de outro salmo correspondente. Musicalmente, Bernstein atendeu ao desejo do reverendo Hussey de que a música fosse fiel ao estilo pessoal do compositor. A peça é contemporânea e inclui elementos de jazz. Em carta a Hussey, Bernstein a definiu como “popular em sentimento”, com “uma certa doçura de outrora, que acompanha os momentos mais violentos.”

 

Nota sem autoria, publicada no site www.leonardbernstein.com, reproduzida sob autorização de The Leonard Bernstein Offi ce. Tradução de Jayme da Costa Pinto.

 

 

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Choros nº 10 é uma das obras com as quais Heitor Villa-Lobos buscou, nos anos 1920, construir um retrato musical do Brasil. O compositor começara a apresentar suas próprias obras em público quando tinha 28 anos, em 1915. Uma década mais tarde, quando criou os Choros nº 3, nº 8 e este nº 10, Villa- -Lobos encontrava-se talvez no ápice de uma de suas fases mais prolíficas e inventivas.

 

No fim da década de 1910, não sem grandes dificuldades, ele havia logrado impor sua presença dentre os compositores brasileiros. De origem pobre, Villa-Lobos era neto de imigrantes espanhóis. Seu pai foi um intelectual polígrafo e amante da música, funcionário da Biblioteca Nacional, e faleceu quando o compositor ainda era criança. Foi criado pela mãe, que o sustentou, e a seus irmãos, com seu trabalho na Confeitaria Colombo, no centro do Rio de Janeiro.

 

Depois que decidiu seguir a carreira de compositor, Villa-Lobos começou a apresentar peças para grupos de câmara. A primeira audição de obras orquestrais de sua autoria, em 1918, só aconteceu devido ao apoio de seus conhecidos da Associação Brasileira de Imprensa — que intermediaram a cessão do Theatro Municipal —, e dos músicos da orquestra do Centro Musical do Teatro, que aceitaram tocar sem a garantia de que receberiam qualquer remuneração. Entre 1919 e 1920, a encomenda de uma sinfonia e a execução de suas obras por maestros estrangeiros e por musicistas célebres, como o pianista Arthur Rubinstein, auxiliaram a divulgar seu nome. Dessa maneira, em 1921, Villa-Lobos pôde contar com a ajuda de Laurinda Santos Lobo, dama da sociedade carioca e mecenas de vários artistas, que promoveu o segundo concerto sinfônico com obras de Villa-Lobos.

 

Graças a esse reconhecimento crescente, reforçado por sua participação na Semana de Arte Moderna, em São Paulo, o compositor partiu finalmente para uma temporada em Paris, à época destino incontornável para artistas de destaque da América Latina. Sua passagem pela Cidade Luz, o contato com o fervilhante ambiente artístico dos années folles, no qual se inseriu pela amizade com os artistas paulistas da Semana, faria com que um Villa-Lobos até então ainda hesitante lançasse mão de sua proximidade com a música popular, transformando-se num compositor “genuinamente brasileiro”.

 

Mas qual foi o Brasil que Villa-Lobos retratou em suas obras? Quais traços eram, em sua opinião, representativos da nação que ele se propunha encarnar?

 

Nos anos 1920, Paris concentrava artistas de todas as nacionalidades, e cada um buscava retratar peculiaridades que os tornassem reconhecíveis. Acabavam destacando justamente os elementos que mais contrastavam com a civilização europeia, que Paris tão bem representava. O Brasil, visto da França, era a terra exótica da selva, dos índios, da herança africana e da música popular que Pixinguinha ali apresentara, junto com seus Oito Batutas, em 1922. Todos esses ingredientes estariam presentes na receita villa-lobiana de Brasil.

 

Para sintetizar esse projeto, Villa-Lobos buscou um nome que representasse a herança musical de alguém que vivera as rodas boêmias cariocas: Choros.

 

Nas palavras do próprio Villa-Lobos, eram composições “baseadas nas manifestações sonoras dos hábitos e costumes dos nativos brasileiros, assim como nas impressões psicológicas que trazem certos tipos populares, extremamente marcantes e originais”.1

 

Um dos Choros orquestrais que tece esse universo sonoro de forma mais complexa é justamente o no 10. Dentre seus motivos musicais, Villa-Lobos destaca a “variedade de pássaros, rica em número e gênero, que existe em todo o Brasil”. A melodia da frase principal era por ele apresentada como um “misto de melopeia primitiva e canto pentatônico dos índios brasileiros”; o tema Ena Mokocê Cê-maká um “cântico de rede dos índios parecis”; e, no clímax da obra, “uma melodia lírica e sentimental extraída de uma canção popular, com letra do poeta seresteiro Catulo da Paixão Cearense, denominada Rasga o Coração’”.

 

Pássaros, índios e música popular: eis os ingredientes do Brasil imaginado de Villa-Lobos e apresentado por ele às plateias ocidentais. Testemunho privilegiado de sua fase criadora dos anos 1920, Choros nº 10 apresenta a síntese de uma brasilidade villa- -lobiana — que viria constituir, no mundo da música erudita, sua representação de mais destaque. [2013]

 

PAULO RENATO GUÉRIOS é professor no Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná e autor de Heitor Villa-Lobos: o Caminho Sinuoso da Predestinação (FGV, 2003).

 

1  As citações de Villa-Lobos foram extraídas do manuscrito “Estudo Técnico, Estético e Psicológico Dos Choros”, escrito provavelmente entre 1936 e 1943, época em que o compositor trabalhava com Gustavo Capanema no Ministério da Educação.