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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
18
jun 2016
sábado 16h30 Jequitibá
Osesp: Spano e Power


Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Robert Spano regente
Lawrence Power viola


Programação
Sujeita a
Alterações
Ralph VAUGHAN WILLIAMS
Fantasia Sobre um Tema de Thomas Tallis
Esa-Pekka SALONEN
Pentatonic Étude
Béla BARTÓK
Concerto Para Viola
Richard WAGNER
A Valquíria: Cavalgada das Valquírias
Siegfried: Murmúrios da Floresta
O Crepúsculo dos Deuses: Viagem de Siegfried pelo Reno
O Crepúsculo dos Deuses: Morte de Siegfried e Marcha Fúnebre
O Crepúsculo dos Deuses: Cena Final
INGRESSOS
  Entre R$ 42,00 e R$ 194,00
  SÁBADO 18/JUN/2016 16h30
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

Ralph Vaughan Williams estudou música no Royal College of Music e história na Universidade de Cambridge. Graças a essa dupla formação, foi um dos responsáveis pela edição do English Hymnal [Hinário Britânico], monumental empreitada que veio a público em 1906. Foi assim que entrou em contato com um desconhecido conjunto de melodias de Thomas Tallis, compositor do século xvi tido como o mais importante autor de hinos de igreja da Inglaterra.

 

A partir de uma dessas melodias, baseado na pouco usual escala frígia (que tem o segundo, o terceiro, o sexto e o sétimo graus rebaixados), Vaughan Williams compôs Fantasia Sobre um Tema de Thomas Tallis, para orquestra de cordas. A peça estreou em 1910 e, de lá para cá, tornou- se uma das mais apreciadas e populares do repertório sinfônico britânico. O gênero fantasia é, por definição, livre, com desenvolvimentos que não obrigatoriamente seguem a forma “tema e variações”.

 

O compositor explora um recurso recorrente na música renascentista, que consiste em subitamente transformar a terça menor em terça maior — a chamada “terça de picardia”. O resultado é poderoso e, como querem alguns comentadores, tem a força de uma revelação.

 

Mas um dos mais bem-sucedidos efeitos da composição se deve a como Vaughan Williams divide a orquestração de maneira tripartite: duas pequenas orquestras de cordas (uma delas fazendo o papel de “coral distante”) e um quarteto. O compositor propõe que esses subgrupos se posicionem com alguma distância entre eles, de modo a enfatizar o caráter antifonal da peça.

 

RICARDO TEPERMAN é doutorando em antropologia social na Universidade de São Paulo e editor da Revista Osesp.

 

 

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Compus uma peça curta para viola solo, Pentatonic Étude [Estudo Pentatônico], em 2008 (revisada em 2014). Um músico havia sugerido que eu escrevesse um estudo baseado em algumas passagens conhecidas do repertório — uma prática comum no passado. A ideia me intrigou: como imaginar uma peça musical que circula em torno de um objet trouvé, menos como um processo de variação e mais como a revelação de algo que sempre esteve ali, porém escondido? Optei por usar técnicas tradicionais da viola, mas levando-as ao extremo e tendo em mente a definição da palavra “étude” pelo Dicionário Oxford de Inglês: “Composição musical curta, geralmente para um instrumento, pensada como um exercício para aperfeiçoar a técnica ou demonstrar a habilidade do instrumentista”.

 

Escolhi a famosa passagem pentatônica em teclas pretas do primeiro movimento do Concerto Para Viola, de Bartók. Apesar de grudar no ouvido, o trecho é tecnicamente desafiador. Decidi, então, compor uma peça que viaja a partir do “negativo” da matriz de cinco teclas pretas. Isto é, pela transformação gradual do acorde, passo das cinco teclas brancas dó, ré, fá, sol, lá para as pretas ré bemol, mi bemol, sol bemol, lá bemol, si bemol. Esse percurso acontece duas vezes na peça: brancas → pretas → brancas → pretas.

 

Ao final do Étude, depois de uma longa passagem em arpejo, o lindo fraseado de Bartók se revela em sua forma original.

 

ESA-PEKKA SALONEN. Tradução de Jayme da Costa Pinto.

 

 

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Quando morreu, em setembro de 1945, em Nova York, Béla Bartók deixou inacabadas duas obras: o Concerto Para Piano nº 3, que desejava entregar como presente de aniversário à sua mulher, a pianista Ditta Pásztory, e o Concerto Para Viola, encomendado em 1944 pelo violista escocês William Primrose.

 

Acometido por leucemia e já bastante debilitado, Bártok produziu catorze páginas de notas musicais, que constituíram a base do trabalho póstumo de conclusão da obra, realizado por seu amigo compositor e violista Tibor Serly. A superposição de diversas correções no manuscrito e as inerentes incertezas quanto ao seu teor ensejaram o surgimento de novas revisões, entre as quais se notabiliza a que foi editada pelo filho do compositor, Peter Bartók, em 1995.

 

Apesar do rigor dessas novas revisões, é a versão original de Tibor Serly — executada em primeira audição em dezembro em 1949 pelo próprio Primrose à frente da Orquestra de Minneapolis, sob a regência de Antal Doráti — que vem sendo predominantemente adotada pelas orquestras no mundo [e que será interpretada pela Osesp].

 

Em três movimentos, o Concerto Para Viola tem a mesma simplicidade de forma e transparência orquestral do Concerto nº 3 Para Piano e, como sempre na obra de Bartók, é marcado pelo rigor estrutural e pelo uso constante da razão áurea e da série de Fibonacci.

 

No primeiro movimento, a viola em solo enuncia uma melodia popular modal que inclui referências ao folclore escocês, possivelmente como homenagem ao patrocinador da obra. Obedecendo à forma-sonata clássica, a melodia se alterna com cantilenas, passagens dramáticas e virtuosísticas.

 

Um interlúdio conduzido pela viola em solo abre o segundo movimento, para o qual Serly empresta a mesma marcação de andamento, “Adagio Religioso”, utilizada por Bartók no movimento intermediário do Concerto nº 3 Para Piano. O movimento se caracteriza pelo forte contraste entre o lirismo das melodias em solo concertante da viola, o acompanhamento em coral realizado pelas cordas e a presença episódica de floreios rítmicos da seção de madeiras.

 

Um novo interlúdio conduz ao último movimento, suspiro criativo final do grande compositor.

 

No verão de 1939, com 58 anos e já amplamente reconhecido, Béla Bartók instalou-se num chalé em Saanen, na Suíça, com a incumbência de escrever uma obra para a Orquestra de Câmara da Basileia, que resultou no Divertimento Para Cordas.

 

A encomenda fora feita pelo jovem regente, empresário e filantropo suíço Paul Sacher (1906- 99), responsável também por encomendas de obras de outros grandes nomes da música do século xx, como Stravinsky, Strauss, Hindemith e Lutoslawski. Três anos antes, em 1936, na ocasião do aniversário de dez anos da Orquestra de Cordas da Basileia, Sacher encomendara uma das mais célebres obras do repertório bartokiano: Música Para Cordas, Percussão e Celesta.

 

Temporariamente isolado dos problemas econômicos e políticos da Hungria e da atmosfera de grande instabilidade que dominava a Europa às vésperas da Segunda Grande Guerra, Bartók respondeu rapidamente e, em apenas quinze dias, compôs esta que é uma das obras mais leves e acessíveis de seu repertório.

 

Com uma textura ao mesmo tempo delicada e requintada, de caráter espirituoso e alegre, a obra cativa o ouvinte desde os compassos iniciais. Popularizado por Boccherini, Haydn e Mozart, o gênero divertimento caracteriza-se por composições que entretêm tanto os ouvintes como os intérpretes. Mas a obra de Bartók não deixa de ser exigente do ponto de vista de sua execução e jamais esbarra na frivolidade. Um número mínimo de instrumentistas em cada uma das seções da orquestra é especificado pelo compositor (seis primeiros violinos, seis segundos, quatro violas, quatro violoncelos e dois contrabaixos), que habilmente constrói o tecido musical no estilo de um concerto grosso barroco, estabelecendo diálogos entre instrumentos solistas e massa orquestral.

 

O Divertimento revela uma clareza predominantemente diatônica, que encontra paralelos em obras de Stravinsky, Prokofiev e Hindemith do mesmo período. A peça é construída com enorme rigor, estruturada mais uma vez pelo uso da seção áurea e da série de Fibonacci.

 

No primeiro e no terceiro movimentos, melodias populares misturam-se a ritmos pulsantes, que se entrelaçam sob formas tradicionais (forma- -sonata e forma rondó, respectivamente) e exalam vigor, extroversão e bom humor. O segundo movimento, por outro lado, é trágico e sombrio, sem perder o caráter de extrema delicadeza e profundidade. Ao escrevê-lo, talvez Bartók já pressentisse os trágicos eventos que marcariam o mundo e sua Hungria natal.

 

PATRICIA VANZELLA é doutora em música pela Catholic University of America, coordenadora do Projeto Neurociência e Música da Universidade Federal do ABC e professora adjunta no Departamento de Música da Universidade de Brasília. Formou-se em música na Escola de Comunicações e Artes da USP e na Academia Superior de Música Franz Liszt.

 

PHILIP YANG é mestre em administração pública pela Universidade Harvard e fundador do Instituto Urbem. Formou- -se em música na Escola de Comunicações e Artes da USP e na Academia Superior de Música Franz Liszt.

 

 

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Há algo de mágico nas quatro óperas do ciclo O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner. A pequena joia feita do ouro roubado às filhas do rio Reno pelo anão Alberich (o nibelungo do título) dá vida a uma destrutiva torrente de paixões e invejas — amores e ódios que muitas vezes extravasam os limites da cena e derramam-se pela vida real. Raramente a montagem da tetralogia acontece sem maiores sobressaltos; há sempre heróis, cabalas quase sobrenaturais, criaturas maléficas tentando roubar o anel para si e muito, muito amor. Cavalgando com as valquírias aladas, caminhando e escutando os murmúrios da floresta ou chorando a morte de um sonho, é nele, no amor, que está o divino. Ouvido pela primeira vez na íntegra em 1876, o ciclo do Anel foi inspirado pelo pensamento de filósofos como Feuerbach, Hegel, Fichte, Schelling e Proudhon.

 

Em verdade, uma grande mudança deu-se no pensamento de Wagner muitos anos antes, logo após sua malfadada estada em Paris, entre 1839 e 1842. A soma do decepcionante resultado artístico da aventura às suas privações (e mesmo humilhações) fez com que o compositor dirigisse sua energia criativa para outros lados. Depois de concentrar esforços na tentativa de conquistar a capital da cultura ocidental e, com isso, espalhar sua música pelo mundo, Wagner voltou sua imaginação para a cultura germânica.

 

Especialmente interessante lhe pareceu o universo da literatura medieval alemã, que evocaria em Tannhäuser e Lohengrin. Wagner ficou particularmente atraído pela obra que era considerada a “Ilíada germânica”, desde sua redescoberta em meados do século xviii: o poema Nibelungenlied [Canção dos Nibelungos]. A saga era um desafio para o imaginário de compositores. Incitados a compor uma “ópera nacional”, nomes como Mendelssohn e Schumann consideraram o projeto antes de Wagner. Mas foi necessário um gênio com a sua “megalomania” para levar adiante o desafio de usar o celebrado poema do século xiii como material para uma ópera.

 

Foi precisamente isso que Wagner começou a esboçar em 1848: escrever uma ópera, uma única “grande ópera heróica” intitulada Siegfrieds Tod [A Morte de Siegfried]. O personagem principal, herói inocente que desconhece o medo (um tanto quanto parvo, talvez), mata o dragão Fafner, reconquista o anel e o elmo mágico (sem saber o que são exatamente), vaga pela floresta e percebe que pode escutar o que dizem os pássaros, rompe a barreira de fogo e descobre a valquíria adormecida, despertando-a.

 

Mas foi curiosamente a morte de Siegfried que deu início ao que conhecemos hoje como a tetralogia de Wagner. Bastaria essa única história para concretizar um grandioso projeto (como prova, aliás, a ópera Sigurd, de Reyer, de 1883). No entanto, a fantástica energia criativa de Wagner não se contentou apenas com essa parte: queria mais. E assim a trama retornou até o roubo do ouro e a maldição subsequente que foi lançada sobre o anel; passou pela história de amor incestuosa e revolucionária dos gêmeos Sieglinde e Siegmund; explicou quem eram as valquírias; até caminhar em direção ao final da saga — e dos tempos —, mostrando a devolução do anel ao Reno, com a quebra da maldição. Wagner foi até o fim de um mundo que renega o amor pelo poder.

 

Mas qual seria essa maldição que leva à destruição de deuses e homens? N'O Anel do Nibelungo, sugere-se que a manutenção do poder estaria associada à renúncia ao amor. Wagner, ainda em 1868, mostrava seu entusiasmo por Feuerbach, proponente de uma radical liberação do indivíduo. Em sua interpretação, só libertos das amarras da autoridade tradicional é que poderemos substituir o amor a deus pelo amor ao ser humano. Reconhece-se, assim, que nosso destino não depende de forças sobrenaturais, mas apenas de nós mesmos. O amor, esse sentimento tão profundamente humano e divino, opõe-se à materialidade do poder. Ao se afastarem da felicidade, os heróis, deuses e semideuses caminham para a destruição.

 

Essa “futilidade” de abandonar o amor pelo poder é demonstrada várias vezes ao longo do Anel, e suas consequências são sempre nefastas. Em O Ouro do Reno, o gigante Fasolt aceita trocar a deusa Freia, a quem ama, pelo ouro — e pouco depois é assassinado pelo irmão. Em A Valquíria, Wotan vive o dilema do deus supostamente todo-poderoso que, para sustentar as leis que mantêm seu poder, é forçado a abandonar o filho que ama. Fafner, o irmão gigante, é o personagem que mantém por mais tempo em suas mãos o anel; mas não tira nenhum proveito disso: assume a forma de um réptil e leva por anos uma vida solitária numa caverna com seu tesouro — até ser morto pelo herói que desconhece o medo, em Siegfried.

 

E até mesmo de forma involuntária, o anel opõe-se ao amor: Siegfried é indiferente à ideia de poder, mas, ao usar o anel, trai o amor da sua vida. Finalmente, em Crepúsculo dos Deuses, e como uma antecipação da maldição que lhe recairá ao possuir o anel, Brünnhilde também acaba por trair o amor ao julgá-lo infiel. A redenção só chega quando, por meio de um ato de amor, a grande heroína da tetralogia compreende o significado de tudo e renuncia ao poder e ao anel, sacrificando-se na cena final e devolvendo o ouro ao Reno.

 

De todos os detentores do anel, Alberich é o único que obtém alguma forma de satisfação pelo breve domínio que tem sobre os seus irmãos nibelungos, escravizando-os. Vendo as docas de Londres, em 1877, Wagner teria dito: “Este é o sonho de Alberich realizado: o Nibelheim [a casa do anel]!”. O anão nibelungo, aliás, é o único que sobrevive às quatro óperas (talvez por ter possuído o anel antes de amaldiçoá-lo).

 

A fascinação ou a maldição d'O Anel do Nibelungo continuam fortes mais de um século após a estreia das quatro óperas que compõem o ciclo. Seria bom poder imaginar que ao menos uma parte do pensamento de Feuerbach também permanece forte em nosso tempo: a de que a suprema lei da vida é o amor. Outra grande verdade é que, se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe de forma absoluta.

 

ANDRÉ HELLER-LOPES é doutor pelo King’s College de Londres e professor da Escola de Música da UFRJ.