Temporada 2024
abril
s t q q s s d
<abril>
segterquaquisexsábdom
25262728293031
123 4 5 6 7
8 9101112 13 14
151617 18 19 20 21
222324 25 26 27 28
293012345
jan fev mar abr
mai jun jul ago
set out nov dez
PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
12
jun 2016
domingo 16h00 Quarteto Osesp
Quarteto Osesp: Haydn, Palej e Bartók


Quarteto Osesp


Programação
Sujeita a
Alterações
Joseph HAYDN
Quarteto em Si Bemol Maior, Op.1 nº 1 - A Caça
Norbert PALEJ
Quarteto nº 1 - De Profundis
Béla BARTÓK
Quarteto nº 2 em lá menor
INGRESSOS
  Entre R$ 77,00 e R$ 100,00
  DOMINGO 12/JUN/2016 16h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

De origem modesta, o menino Joseph Haydn, cantava divinamente. Isso o levou a se tornar um dos pequenos cantores na catedral de Santo Estêvão de Viena e a iniciar sua formação musical. Depois, quando perdeu a voz infantil, entrou para o serviço de Nicola Porpora (1686-1768) como secretário, acompanhador no cravo e criado. Porpora, compositor napolitano e célebre professor de canto da época, conhecido como o “patriarca da harmonia”, ensinou-lhe composição. Haydn possuía uma imensa curiosidade musical, e sua formação se ampliou com o interesse pessoal por todos os tipos de obras que encontrava. Por conta própria, estudou as obras de Carl Philipp Emanuel Bach, que deixaram nele marcas profundas.

 

Haydn soube equilibrar a inspiração melódica e a expressividade dramática da música napolitana, que assimilou graças a Porpora, com a força estrutural das tradições alemãs.

 

Compositor mais célebre de seu tempo, um verdadeiro mito, Haydn abriu a música para o futuro, a tal ponto que a posteridade criaria a célebre trindade do Classicismo: Haydn, Mozart, Beethoven. Mas ele soube sintetizar as tradições que herdara e desenvolvera: alguns musicólogos lembram que o compositor pertence também a outra trindade, não menos ilustre: Bach, Händel, Haydn.

 

Seu papel para o desenvolvimento histórico da música foi, portanto, crucial. Haydn fixou a forma da sonata e da sinfonia modernas. Como se não bastasse, criou o quarteto de cordas. Nova, destinada a dois violinos, uma viola e um violoncelo, abolindo o baixo-contínuo, essa forma surge com os ditos Quartetos Fürnberg, nome do barão que os encomendara: um poderoso conjunto de dez obras que o compositor de 27 anos enceta em 1757 e conclui em 1760. O sucesso foi tão grande que impôs o nome de Haydn para além das fronteiras austríacas.

 

Com os quartetos, Haydn não fixara ainda a forma canônica em quatro movimentos: rápido- -lento-rítmico-rápido, o que faria posteriormente. Esses primeiros quartetos incorporam dois minuetos, e se estruturam da seguinte forma: rápido- minueto-lento-minueto-rápido, sucessão que derivava dos assim chamados divertimentos. 

 

O Quarteto nº 1 tem uma denominação específica — A Caça. É o mais popular de todos, graças a seu início enérgico, que evoca as fanfarras então usadas nas caçadas. Aqui, Haydn incorpora um espírito de música camponesa, desenvolve os minuetos de maneira a equilibrá-los no conjunto e reveste sua criação de uma estrutura enérgica e tensa. [2011]

 

JORGE COLI é crítico de arte e professor titular de história da arte e da cultura da Unicamp. É autor de Música Final (Ed. Unicamp, 1998), Ponto de Fuga (Perspectiva, 2004) e O Corpo da Liberdade (Cosac Naify, 2010), dentre outros livros.

 

 

.........................

 

 

O Quarteto nº 1, em movimento único, foi remotamente inspirado por duas fontes poéticas. A primeira é o Salmo 130, cuja primeira estrofe diz: De profundis clamavi at te, Domine;/Domine, exaudi vocem meam. Fiant aures tuae intendentes/in vocem deprecationis meae. [Das profundezas clamo a ti, Senhor; Ouve, Senhor, a minha voz! Estejam teus ouvidos atentos às minhas súplicas.] A outra inspiração literária é a epístola De Profundis, que Oscar Wilde escreveu em 1897, na prisão de Reading. A peça foi encomendada pelo Quarteto de Cordas Penderecki, com apoio do Conselho de Artes de Ontário.

 

NORBERT PALEJ. Tradução de Jayme da Costa Pinto.

 

 

.........................

 

 

Béla Bartók tinha 26 anos quando compôs seu primeiro quarteto de cordas. Era relativamente recente o impacto que a Sonata em Si Menor, de Liszt, e Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss, causaram no jovem compositor, que os escutara nos anos de 1901 e 1902, respectivamente, e o levaram à composição do poema sinfônico Kossuth (1903). Apesar de já ser obra representativa da fase “húngara”, iniciada por volta de 1907, o Quarteto de Cordas nº 1 ainda guarda certas reminiscências da juventude do compositor.

 

O primeiro movimento, “Lento”, tem três partes, organizadas no padrão A-B-A, sendo a parte A densamente cromática e melancolicamente expressiva. A seção central B é marcada pelo pedal em cordas duplas na região grave do violoncelo, dando suporte a melodias expressivas e de caráter recitativo, inicialmente na viola, depois no primeiro violino. Essas são características do estilo appassionato de Bartók, presente no “Andante” inicial de Dois Retratos (1907), composto como representação idealizada da violinista Stefi Geyer — com quem esteve envolvido emocionalmente —, e depois reaproveitado como primeiro movimento do Concerto Para Violino nº 1, dedicado a ela.

 

O segundo movimento tem maior variedade expressiva, preservando em parte o caráter apaixonado do “Lento”, mas acrescentando pitadas de humor e até mesmo certa violência, expressa pelos ostinatos e pelas sonoridades mais ásperas de certos acordes que combinam os extremos grave e agudo. Pode-se dizer que o movimento se assemelha a um scherzo, revelando bem a extensão emocional da música de Bartók, em que o retorno das seções sempre sofre alguma modificação substancial de caráter e de material harmônico, como o eventual uso da escala de tons inteiros.

 

No terceiro e último movimento, Bartók reúne diversos gestos retóricos, explorando expressivamente o estilo recitativo da introdução, associado com ostinatos a partir de notas repetidas, como é comum nas músicas de caráter popular ao violino ou à rabeca. Usa frases em uníssono (ou em oitavas) nos quatro instrumentos, denotando a ideia de força, energia e comunhão, presentes na vida rústica e na simplicidade do camponês. A música de Bartók desse período reflete sua busca por uma identidade que extrapola as complexas relações políticas do Leste Europeu, inserindo-se na cultura húngara e, muitas vezes, se estendendo por toda a região dos Bálcãs.

 

Se no Quarteto de Cordas nº 1 (1907-8), ainda se encontram ecos de sua admiração pela música de Richard Strauss (1864-1949), o Quarteto nº 2 apresenta elementos que moldaram seu novo estilo de composição, forjado a partir da sua pesquisa da música folclórica, iniciada em 1905. O mergulho nessas pesquisas foi tão profundo que modificou a maneira como Bartók compreendia a música, seus processos de criação e de escuta. Basta dizer que o compositor se tornou um dos fundadores de uma nova disciplina, a etnomusicologia.

 

Inspirado pelo método do musicólogo finlandês Ilmari Krohn (1867-1960), Bartók passou a buscar novos “genótipos musicais”, catalogando características essenciais a partir das melodias populares que recolhia e anotava com precisão. Dentre essas características, estão os tipos de escala (ou modos), definindo constâncias que se tornaram identidade cultural de um grupo étnico, povo ou nação; a forma; o número de linhas melódicas; a nota cadencial de cada linha (a nota que, associada ao ritmo, dá uma sensação de repouso à frase musical); a estrutura rítmica e silábica; e o âmbito (o alcance e o registro — grave, médio ou agudo — da melodia).

 

Ao considerar a música dos camponeses uma manifestação artística pura, Bartók passou a desenvolver procedimentos baseados nesses elementos “étnicos”, buscando se distanciar do sentimentalismo exagerado e de outras convenções presentes na música europeia do século xix. Sua obra se torna progressivamente “atonal” — termo que ele mesmo repudiava —, e as estruturas rítmicas e harmônicas se baseiam em proporções simétricas, ao invés da convencional dicotomia entre consonância e dissonância. O musicólogo Ernö Lendvai sustenta que o princípio da proporção áurea está presente em diversos aspectos da criação bartokiana.1

 

Porém, Bartók não renega totalmente a tradição musical europeia: o primeiro movimento do Quarteto nº 2 é uma adaptação da forma-sonata clássica, segundo os novos critérios que o compositor passou a pôr em prática. A exposição tem três temas, que reaparecem modificados e abreviados na recapitulação; a seção de desenvolvimento começa em estilo imitativo, a partir do motivo do primeiro tema.

 

O segundo movimento tem pelo menos três partes marcantes: a seção inicial, com suas rápidas escalas em estilo cigano; a melodia expressiva do primeiro violino, com acompanhamento em pizzicato; e o prestíssimo, em que as rápidas escalas de todos os instrumentos criam uma textura cuja fluidez antecipa certas criações de Ligeti (1923-2006). O espírito geral, entre o burlesco e o irônico, bem como a forma, faz lembrar um scherzo.

 

O terceiro movimento é sóbrio, de uma expressividade sem excessos. Começa com um tema à maneira de diálogo entre os instrumentos, sugere mudança para algo mais livremente melódico, e logo retorna à trama densamente cromática do contraponto livre e atonal que caracteriza a linguagem harmônica do compositor.

 

Em 1922, Bartók juntou-se a Igor Stravinsky, Darius Milhaud e Alban Berg para fundar a ISCM (International Society For Contemporary Music), em Salzburgo. A Suíte Lírica, para quarteto de cordas (1926), de Berg, foi estreada nos concertos da ISCM e, segundo o musicólogo Elliott Antokoletz, teria influenciado Bartók a compor os Quartetos nº 3 e nº 4.

 

Os quatro movimentos do Quarteto nº 3 são tocados continuamente, sem interrupções. Apesar de intitulada “recapitulação”, a terceira parte não é uma repetição exata da primeira, e a coda (quarto movimento) acaba sendo correspondente ao segundo movimento.

 

A primeira seção, ou movimento, é a mais curta e alterna entre apresentações do tema principal — apresentado logo após a sustentação do acorde inicial — e suas elaborações. Esse tema retorna no final da seção, tocado pela viola e pelo primeiro violino sobre um ostinato do violoncelo.

 

A entrada do segundo movimento é marcada pelo trinado do segundo violino, seguido pelo glissando ascendente da viola, com sequência de acordes de três notas no violoncelo. As melodias são tocadas em pares de instrumentos, com diversas texturas de acompanhamento, até a chegada de uma fuga dupla, cujo sujeito é apresentado pelo segundo violino e pela viola, e respondido a seguir pelo primeiro violino e pelo violoncelo.

 

A dinâmica se intensifica, levando a uma passagem em que os instrumentos tocam amplos glissandos, passagens em que os dedos dos músicos “escorregam” rapidamente pela escala dos instrumentos, dando uma sensação vertiginosa. Então, o movimento se aquieta um pouco e leva às seções seguintes, em que começam as recapitulações modificadas da primeira e da segunda partes.

 

Apesar de extremamente conciso, com cerca de quinze minutos, o Quarteto nº 3 de Bartók é uma das obras mais influentes do século xx e uma das mais importantes da literatura para quarteto de cordas. O ciclo de seis quartetos de Bartók equipara-se aos últimos quartetos de Beethoven como referências incontornáveis para que as gerações posteriores de compositores de todo o mundo explorem ao máximo a expressividade e as possibilidades desse gênero.

 

1. O musicólogo húngaro Ernö Lendvai (1925-93) foi um dos principais divulgadores fora da Hungria da obra e dos processos criativos de Bartók, e escreveu livros de referência sobre o compositor traduzidos para o inglês. O uso da proporção áurea e da sequência de Fibonacci nos ritmos e nas melodias de Bartók é um dos aspectos mais relevantes no trabalho analítico de Lendvai.

 

PAULO DE TARSO SALLES é compositor, professor de teoria musical no Departamento de Música da ECA-USP e autor dos livros Aberturas e Impasses: o Pós-modernismo na Música e Seus Reflexos no Brasil, 1970-1980 (Ed. Unesp, 2005) e Villa-Lobos: Processos Composicionais (Ed. Unicamp, 2009).