ENTREVISTA COM RAGNAR BOHLIN
Em agosto do ano passado, você regeu o Coro da Osesp num belíssimo programa que reunia peças de compositores do século XIX e do século XXI, como Rheinberger e Lidholm. São nomes que estão também neste concerto. Fale um pouco sobre sua escolha de repertório.
Rheinberger foi um importante compositor romântico, que produziu muito e para várias formações, notadamente música coral, além de ter sido também um grande organista. É um compositor que vem sendo recuperado, saindo um pouco da sombra dos grandes compositores do século xix. Para mim, algumas de suas grandes peças para coro a cappella são comparáveis às de Brahms, seu contemporâneo.
Uma característica interessante é que, frequentemente, sua música é fácil de cantar — é o caso de suas Três Canções Sacras. Também por isso, funcionará como uma espécie de “aperitivo”, que abre os ouvidos do público. Assim, quando for a vez da peça de Lidholm, que é mais cheia de conflitos e de dissonâncias, o contraste será interessante.
Mas antes disso, passaremos por Der Abend [A Noite], de Richard Strauss. Trata-se de um poema de Friedrich Schiller, que faz uma alegoria do pôr do sol no mar, sugerindo um encontro amoroso entre Tétis, deusa do mar, e Febo (ou Apolo), deus do Sol. É a música mais linda que se pode imaginar: Strauss em seus melhores momentos, como no final da ópera O Cavaleiro da Rosa.
Fale um pouco de Lidholm e de sua ... a Riveder le Stelle.
O texto é da Divina Comédia, de Dante, no momento em que Virgílio já passou pelo purgatório e por todos os círculos do inferno e agora está finalmente subindo. Trata-se do momento em que ele verá as estrelas novamente, depois de muito tempo — um momento de grande emoção.
A peça começa de maneira dramática, sem palavras, dissonâncias chocantes e cantadas com bastante intensidade. Mas Lidholm é muito esperto: seu modernismo é sempre convidativo. Quem prestar atenção, verá que há muita beleza nesses clusters.
Há passagens bitonais e politonais, e, quando a música fica densa demais, Lidholm propõe algo mais aberto, com tríades maiores de muita pureza.
E quanto a Figure Humaine? Pode falar um pouco sobre as circunstâncias políticas em que a peça foi composta e como isso pode nos inspirar hoje?
É uma peça monumental, baseada em texto de Paul Éluard, com quem Poulenc colaborou repetidas vezes. A composição é de 1943, ou seja, em plena Segunda Guerra Mundial e durante a ocupação alemã na França. Éluard se envolveu na Resistência e, sob ares simbolistas, o poema é claramente engajado, falando de sangue nas ruas e de uma grande fera que ameaça engolir tudo.
Os primeiros seis movimentos são muito sombrios até que, em determinada passagem do sétimo movimento, quando a tal fera parece ser incontrolável, algo muda. É como se a luz voltasse a aparecer, uma passagem belíssima que conduz ao movimento final, “Liberté” [Liberdade].
O texto vai dizendo: “Nos meus cadernos de escola/Nesta carteira nas árvores/Nas areias e na neve/Escrevo teu nome”, mas sem dizer que nome é esse. Até que finalmente se chega à palavra “Liberdade”, um momento muito impactante.
Na França ocupada, um texto como esse era explosivo. Os manuscritos foram clandestinamente transmitidos a Poulenc, que escreveu a música de bate-pronto. A partitura, por sua vez, também viajou de maneira clandestina à Inglaterra, onde estreou ainda em 1944 com o Coro da BBC. Sabemos que os aparelhos de rádio no continente captavam as transmissões das estações britânicas e, assim, Figure Humaine pôde ser ouvida na França ocupada.
A Suécia tem uma importante tradição de canto coral. Pode nos contar um pouco a respeito?
Acho que, historicamente, a Igreja Luterana exerceu um papel importante nessa tradição. Mas, desde o fim da Segunda Guerra, a Suécia investiu muito para construir o modelo de estado de bem-estar social que conhecemos, banindo a pobreza. Como parte desse programa, criaram-se escolas municipais de música para que toda criança pudesse estudar um instrumento e praticar canto coral.
Nesse mesmo momento, Eric Ericson se tornou o diretor do Coro da Rádio Sueca que, sob sua direção, tornou-se um grupo de excelência que passou a encomendar peças de compositores contemporâneos na Suécia e no exterior.
O Coro da Rádio se tornou o topo da pirâmide e Ericson passou a inspirar tanto os corais de igreja quanto corais escolares, que começaram a ser mais e mais exigentes, enfrentando repertórios desafiadores e buscando sempre se superar.
Em junho, você estará de volta ao Brasil para reger uma peça inédita no país: Mass Transmission, de Mason Bates [que será um dos Compositores Visitantes na Temporada 2016 da Osesp].
Bates é um dos principais compositores jovens dos Estados Unidos. Foi compositor residente das sinfônicas de São Francisco e de Chicago, recebeu encomendas de orquestras de todo o país. Frequentemente, compõe para orquestra e instrumentos eletrônicos. Ele próprio é DJ e sua música é muito rítmica, com influência do minimalismo e de compositores como John Adams; mas tem sua própria identidade, às vezes próximo do jazz no que diz respeito à harmonia.
Mass Transmission foi uma encomenda da Sinfônica de São Francisco e foi escrita para órgão, coral e instrumentos eletrônicos. O texto é tirado dos diários de uma mãe, nos anos 1920, na Holanda, que se correspondia com a filha, enviada como pajem na ilha de Java, na Indonésia, então uma colônia holandesa. A peça é sobre a saudade que uma sente da outra, sobre a maneira como estavam conectadas.
Entrevista a RICARDO TEPERMAN.