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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
02
abr 2016
sábado 16h30 Jequitibá
Osesp: Liebreich e Abduraimov


Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Alexander Liebreich regente
Behzod Abduraimov piano


Programação
Sujeita a
Alterações
Gioacchino ROSSINI
A Italiana na Argélia: Abertura
Camille SAINT-SAËNS
Concerto nº 2 Para Piano em Sol Menor, Op.22
Felix MENDELSSOHN-BARTHOLDY
Sinfonia nº 4 em Lá Maior, Op.90 - Italiana
INGRESSOS
  Entre R$ 42,00 e R$ 194,00
  SÁBADO 02/ABR/2016 16h30
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

 

É difícil dimensionar o peso da cultura italiana no processo de construção da cultura ocidental. Afinal, se é consenso que a Grécia da Antiguidade é o berço de nossa civilização, não tardou muito para que a península itálica se consolidasse como o terreno onde essa mesma civilização desenvolveria parte crucial de sua identidade. Não é à toa que se diz que todos os caminhos levam a Roma. Em diferentes momentos da história, a Itália, real e imaginária, exerceu enorme fascínio em artistas de diferentes vocações e gerações.

 

Entre os anos de 1786 e 1788, Johann Wolfgang von Goethe percorreu praticamente toda a região — uma experiência marcante em sua vida. “Não fosse pela índole alemã e pelo desejo de aprender e fazer sempre mais, em vez de gozar a vida, eu talvez devesse permanecer por mais algum tempo aqui, nesta escola do viver com leveza e alegria, buscando tirar dela maior proveito”1, chegou a escrever o poeta ainda sob o arrebatamento dos primeiros meses de viagem.

 

Algumas décadas mais tarde, entre 1829 e 1831, seria a vez do compositor Felix Mendelssohn-Bartholdy relatar emoção muito semelhante ao ver por si próprio toda a exuberância da cultura italiana. “Isso é a Itália! E, agora que começou, tenho tudo o que sempre imaginei: a alegria suprema em vida”2, confidenciou o jovem músico ao pai em uma carta enviada de Veneza.

 

Tal como em Goethe, a Itália deixaria uma marca profunda na arte de Mendelssohn, e a manifestação mais intensa dessa forza indomita é sua Sinfonia nº 4, Op.90, esboçada ainda durante sua viagem e concluída quando já havia retornado à Alemanha, em março de 1833.

 

O empenho dispendido para colorir essa partitura com os ares musicais inspirados em terra estrangeira fez com que logo essa sinfonia ganhasse o epíteto Italiana, justificado pela evocação a danças populares como o saltarelo e a tarantela. Mas não nos deixemos enganar. Aos ouvidos de um italiano do século xix, essa sinfonia soaria tão genuinamente italiana como uma pizza de chucrute: ainda que indiscutivelmente saborosa (nesse caso refiro-me apenas à Sinfonia), trata-se de um entendimento muito particular, parcial e estereotipado da musicalidade que Mendelssohn esbarrou ao longo de seu périplo pela Itália.

 

Se para os alemães a Itália era uma espécie de alteridade empática, “o outro” com características a serem assimiladas, os italianos, quando eram “eles mesmos”, lançaram mão de estratégias bem semelhantes quando chegava a sua vez de se referir a uma cultura estrangeira.

 

Como bem destacou o crítico Edward Said, o Oriente era tomado “como um lugar essencialmente exótico, distante e antigo, onde os europeus podem se permitir certas exibições de força”3, A ópera Aida, de Giuseppe Verdi talvez seja o ponto culminante desse processo. Podemos dizer que seu ponto de partida foi A Italiana na Argélia, de Gioacchino Rossini.

 

Estreada em 1813, foi o primeiro grande sucesso da carreira do compositor. Seu enredo rocambolesco, quase uma “comédia dos erros”, gira em torno da estereotipação de personagens e hábitos orientais (nesse caso, a Argélia), em que se atribui ao outro (do Oriente) toda a carga de vícios e vilania, e, aos ocidentais, o restabelecimento da virtude moral.

 

Convicto de estar no centro do mundo musical, Rossini não se dá sequer o trabalho de imaginar o que pode ser o universo sonoro desse mundo tão distante. Toda a ópera — e, claro, a própria abertura — é fruto do que mais “genuinamente” italiano se fazia e se aclamava em seu tempo.

 

LEONARDO MARTINELLI é compositor, doutorando pelo Instituto de Artes da Unesp, diretor de formação da Fundação Theatro Municipal de São Paulo e professor da Faculdade Santa Marcelina. 

 

 

O piano é, sem sombra de dúvida, o instrumento para o qual foram compostas as obras mais representativas do século xix. Por um lado, inovações técnicas — como a ampliação do número de teclas, a modernização do pedal de ressonância, a melhoria do mecanismo de repetição, a qualidade do aço utilizado nas cordas e na estrutura, a mudança para o feltro (em vez de couro) nos martelos —, agora plenamente aplicadas na sua construção, permitiram aos compositores a concepção de obras mais complexas técnica e sonoramente. Por outro, é nesse período que a música instrumental ganha seu mais alto grau de importância. Nomes como Schubert, Chopin, Schumann, Mendelssohn, Brahms e Liszt dedicaram-se à composição de um enorme número de obras para piano que se tornaram cânones do repertório.

 

É nesse contexto que vive Camille Saint-Saëns. Nascido em 1835, em Paris, Saint-Saëns foi um pianista prodígio que, aos 11 anos, se apresentou em concerto na Salle Pleyel. Estudou no Conservatório de Paris e logo se tornaria também um brihante improvisador ao órgão. Aos 18 anos, já era organista titular da igreja de Saint-Merri, assumindo em 1858 o mesmo posto na Madeleine. Foi professor da École Niedermeyer, onde teve como um de seus principais alunos Gabriel Fauré. Demonstrava cultura vasta, que englobava também as letras e a astronomia. Engajado na divulgação de suas obras e na música de seus contemporâneos, participou da fundação da Sociedade Nacional de Música, em 1871.

 

Deixou para o piano solo peças breves e em singelas formas. Para a música de câmara com piano e diversos instrumentos, Saint-Saëns compôs uma obra significativa e bastante executada: sonatas, trios, quartetos, um quinteto e um septeto, além de diversas pequenas peças, totalizando mais de quarenta composições. Para o piano solista com acompanhamento da orquestra, compôs cinco concertos que contribuem significativamente para o repertório do instrumento.

 

Com três movimentos numa ordem diferente da usual rápido-lento-rápido, Saint-Saëns inicia seu Concerto nº 2 Para Piano com um “Andante Sostenuto”. O piano, sozinho por cerca de dois minutos, abre o movimento com uma introdução em caráter improvisativo ao estilo bachiano (os motivos melódicos nos remetem ao Prelúdio e Fuga em Sol Menor, BWV 535). Essa “cadência” inicial nos leva, por uma ponte construída sobre passagens improvisativas e bastante virtuosísticas, à apresentação do tema pela orquestra, dramática e intensa. O mesmo tema é imediatamente apresentado pelo piano, agora, porém, em cantábile e com acompanhamento chopiniano na mão esquerda. O segundo tema, em caráter dolce e tranquilo, mantém ainda um quê de Chopin. Seguem-se seções em animato até que o tema inicial retorna com a orquestra e novamente com o piano, agora com grandes arpejos lisztianos. Encerra-se o movimento com uma cadenza ad libitum, na qual Saint-Saëns nos faz retornar à introdução, mas, desta vez, como se estivéssemos apenas recordando algo em nossa memória — o piano é acompanhado por sutis colaborações da orquestra. O movimento termina com uma bela cadência em fortíssimo, em que piano e orquestra finalizam juntos o tema com toda a carga dramática que já nos foi sugerida anteriormente.

 

O segundo movimento, na tonalidade de Mi Bemol Maior, se inicia com um solo de tímpanos (será que Strauss, quase vinte anos depois, teria se inspirado nesse movimento para compor sua Burleske?). Seu caráter leggerissimo exige agilidade e virtuosismo do intérprete, com inúmeras escalas e amplos arpejos nas duas mãos, muitas vezes em uníssono, que devem soar límpidos e cristalinos.

 

O terceiro movimento começa de forma tempestuosa, com tercinas ao piano, seguidas do tema em caráter de tarantela. Segue-se um longo trecho com trinados no piano acompanhando um belíssimo coral nos sopros da orquestra, sucedido por mais uma longa sequência de extremo virtuosismo.

 

ROGÉRIO ZAGHI é pianista, mestre em artes pela Unicamp e coordenador dos Programas Educacionais da Fundação Osesp. 

 

1. Goethe, Johann Wolfgang von. Viagem à Itália: 1786-1788. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

2. Mendelssohn-Bartholdy, Felix. Sämtliche Briefe, bd. 2. Kassel: Bärenreiter, 2009.

3. Said, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.