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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
28
mai 2015
quinta-feira 21h00 Cedro
Temporada Osesp: Mark Wigglesworth rege Tippett


Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Mark Wigglesworth regente
Coro Acadêmico da Osesp
Marcos Thadeu regente
Measha Brueggergosman soprano
Susan Bickley mezzo soprano
Stuart Skelton tenor
Peter Coleman Wright barítono
Camila Oliveira piano
Coro da Osesp


Programação
Sujeita a
Alterações
Anônimo do Folclore Japonês
Elijah Rock [Negro Spiritual] - [arranjo de Moses Hogan]
Deep River [Negro Spiritual] - [arranjo de Alice Parker e Robert Shaw]
Dry Bones [Negro Spiritual] - [arranjo de Mark Hayes]
Michael TIPPETT
A Child of Our Time
INGRESSOS
  Entre R$ 45,00 e R$ 178,00
  QUINTA-FEIRA 28/MAI/2015 21h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil

MÚSICA NA CABEÇA
Palestra de Mark Wigglesworth sobre a obra A Child of Our Time de Michael Tippett.

Notas de Programa

Intensa desolação e esperança: é pela união dessas antinomias, que W. E. B. Du Bois definiu os negro spirituals. Primeiro afro-americano a doutorar-se na Universidade de Harvard, Du Bois foi um dos principais artífices do movimento artístico e literário Harlem Renaissance, que aflorou nos Estados Unidos em meados da década de 1910 e perdurou até cerca de 1935. Baseado no pan-africanismo, o movimento tinha o propósito de combater o racismo por meio da valorização da tradição e da herança comum de todos os povos negros ao redor do planeta. Além da literatura, das artes e do resgate de feitos históricos das populações negras, a música era uma das manifestações culturais mais caras ao movimento.


Em 1903, Du Bois publicou The Souls of Black Folk: Essays And Sketches, importante livro no qual dedica um ensaio ao tema dos negro spirituals. Diz o autor: “Em meio a toda a tristeza profunda das canções, há um suspiro de esperança — uma fé na justiça final das coisas. As cadências menores do desespero se transformam com frequência em triunfo e serena confiança. Às vezes é a fé na vida, às vezes uma fé na morte, às vezes certeza de justiça irrestrita num outro mundo mais justo. Seja o que for, o significado é sempre evidente: que em algum tempo, em algum lugar, os homens julgarão os homens por suas almas, não por suas peles”.1


Desde o final do século XIX, Du Bois e outros intelectuais das comunidades negras investiam no árduo trabalho de ressignificar esse gênero musical que, mais do que motivo de orgulho e tradição, ainda era visto como expressão de amargas lembranças do período escravista. Os spirituals também eram alvo de reprovação de uma parcela da sociedade norte-americana, a exemplo do que ocorria com outras manifestações culturais negras. Foram as instituições de ensino superior afro-americanas e, posteriormente, os intelectuais e artistas organizados em torno da Harlem Renaissance os primeiros a dar novos sentidos aos spirituals como parte do patrimônio cultural pan-africano e da história dos Estados Unidos.


Fundada em Nashville em 1866, três anos depois da abolição e poucos meses depois do fim da Guerra de Secessão, a Universidade de Fisk criou o primeiro grupo a divulgar para um grande público canções da época da escravidão, o Jubilee Singers. Em seu repertório, entoado numa turnê que percorreu o território norte-americano (1871) e chegou à Europa (1873), encontravam-se spirituals como “Steal Away” [Escapulir], que, mais tarde, seriam incorporados ao oratório A Child of Our Time [Um Filho de Nosso Tempo], do compositor britânico Michael Tippett. Outras universidades negras, como a Tuskegee, e algumas igrejas protestantes seguiram o exemplo do Jubilee Singers, abrindo espaço para rememoração e recriação dessas canções.


Dos palcos e das missas, os spirituals ganhariam espaço nos estudos de folclore, na literatura e na história norte-americana, pelas mãos não só de Du Bois, mas também nas de outros expoentes da Harlem Renaissance, como James Weldon Johnson, Alain LeRoy Locke, Langston Hughes e Zora Neale Hurston. Weldon Johnson realizou um vasto trabalho de coleta dessas canções, publicadas em The Book of American Negro Spirituals (1925) e The Second Book of American Negro Spirituals (1926),2 que, junto com outros títulos lançados na mesma época, serviram de base para a formação de grupos como a Afro-American Symphony, a Harlem Symphony Orchestra e o Negro String Quartet, que buscavam unir, em suas composições e apresentações, as tradições musicais negras à chamada música erudita.

 

Todo esse processo histórico, capitaneado por intelectuais, artistas e instituições negras, elevou o spiritual a um novo estatuto, não apenas artístico e musical, mas marcado por uma dimensão histórica e afetiva. Dos estudos da Harlem Renaissance às pesquisas mais atuais sobre os spirituals, são apontadas correlações rítmicas, melódicas, de técnicas corporais e vocais entre esse gênero e as tradições musicais de diferentes etnias africanas, como, por exemplo, a iorubá. O ritmo sincopado e cruzado, as inflexões microtonais, o uso de escalas pentatônicas, as ululações e melismas nas melodias, a incorporação de palmas e batidas dos pés e uma textualidade baseada em contos, alegorias, jogos de pergunta e resposta e improvisações são alguns dos elementos que revelam a forte conexão histórica entre a cultura dos negros norte-americanos e a África. Do mesmo modo, os estudos revelam as transformações que essas formas musicais sofreram no Novo Mundo, num movimento sincrético com as tradições musicais europeias. Basta citar a forte referência bíblica das letras de spirituals, como “Deep River” [Rio Profundo], “Elijah Rock” [Pedra de Elias] e “Dry Bones” [Ossos Secos].


As letras dos spirituals reinterpretam a língua inglesa na sintaxe própria ao dialeto dos escravos e traduzem as passagens da Bíblia com referências ao sofrimento cotidiano, a histórias e utopias dos negros durante a escravidão. Acima de tudo, são canções que clamam por liberdade e buscam aproximar a humanidade, como também quiseram um dia Du Bois e Tippett.
LUIS FELIPE KOJIMA HIRANO é doutor em Antropologia Social pela USP e professor de Antropologia da Universidade Federal de Goiás.

 

1. Du Bois, W. E. B. “Of The Sorrow Songs”. In: The Souls of Black Folk: Essays And Sketches. Disponível em: xroads.virginia.edu/~hyper/DUBOIS/ch14.html.
2. Em edições recentes, os dois livros foram reunidos em um volume só. Ver: Johnson, James Weldon; Johnson, J. Rosamond. The Books of American Negro Spirituals. Nova York: Da Capo, 2009.

 

 


“O mundo se volta para seu lado sombrio — é inverno”, canta o coro na parte inicial de A Child of Our Time [Um Filho de Nosso Tempo], um oratório do compositor inglês Michael Tippett. Diferente do Messias, de Händel, e das grandes Paixões de Bach, os modelos formais e espirituais que Tippett emulou, A Child of Our Time não se refere a uma data específica do calendário eclesiástico.


A inspiração de Tippett foi um evento histórico. Herschel Grynszpan, um judeu polonês de 17 anos, alarmado pelas notícias de que sua família tinha sido deportada da Polônia para a Alemanha, atirou e feriu mortalmente Ernst vom Rath, um diplomata alemão, em Paris, em 7 de novembro de 1938. Vom Rath morreu dois dias depois, no décimo quinto aniversário do chamado “putsch da cervejaria”, a tentativa fracassada de golpe de Hitler contra o governo da região da Baviera. Indignados com um assassino judeu — e incitados por um discurso de Joseph Goebbels no local do putsch —, os nazistas retaliaram com a Kristallnacht, a terrível noite dos cristais.


As circunstâncias exatas do incidente ficaram borradas com o passar dos anos, e há indícios de que os nazistas encontrariam de todo modo outro pretexto para a escalada da violência contra os judeus. Mas, para Tippett, um dedicado pacifista que acreditou durante toda a vida que a arte estava a serviço da justiça social, Grynszpan serviu como símbolo de um indivíduo marginalizado pela sociedade e levado pela tirania a cometer um ato inconcebível.
Tippett, abertamente gay numa época em que a homossexualidade ainda não havia sido descriminalizada na Inglaterra, sabia o que era estar à margem da sociedade convencional. Ele seguia com tamanha paixão seus princípios de consciência que acabou cumprindo uma sentença de prisão por três meses em 1943 [ao se recusar a realizar obrigações ligadas à guerra, em função de sua dispensa].


O fato de Grynszpan ter percebido rapidamente o custo de seu gesto impensado e de ter se arrependido era compatível com as inclinações humanitárias de Tippett e também com sua crença junguiana de que é necessário reconciliar os opostos num todo harmonioso. Como Paul Griffiths escreveu num ensaio de 1999 para o jornal The New York Times, “indivíduos e nações, como Tippett os via, criam inimigos “ ao achar que as outras pessoas são latas de lixo que contêm as suas próprias características inaceitáveis; se essa verdade fosse reconhecida, então o diálogo da guerra poderia ser transformado num diálogo de aceitação e até mesmo de amor”.


Supor que Tippett possa ter pensado que os nazistas poderiam reconhecer e aceitar seus bodes expiatórios provavelmente é exagerar o alcance de seus desejos. Mas é fácil imaginar que ele acreditava que o povo alemão poderia se elevar acima dos objetivos predatórios dos nazistas.


De acordo com Meirion Bowen, biógrafo, agente e companheiro de Tippett nos últimos anos de vida, o compositor começou a trabalhar em A Child of Our Time poucos dias após o início da guerra, em 1939. O título foi emprestado de um romance antibélico de Ödön von Horváth, um dramaturgo austro-húngaro. Tippett queria que T. S. Eliot fizesse o libreto, mas, ao ver os esboços da obra, o poeta insistiu que o próprio compositor escrevesse o texto.


Tippett usou como modelo para a forma tripartite do Messias, de Händel, que ele havia regido com músicos amadores no início de sua carreira. “A primeira parte fala do estado geral de opressão em nosso tempo”, Tippett escreveu sobre a obra. “A segunda parte apresenta a história específica da tentativa de um jovem de fazer justiça por meio da violência e das consequências catastróficas dessa ação. A terceira parte pondera sobre a moral a ser tirada disso tudo, se é que há alguma.” Há alusões sofisticadas a trechos do Messias.


Inspirado tanto por Händel quanto por Bach, Tippett adotou um modelo que inclui narrativas recitativas, árias contemplativas, estrofes descritivas e — especificamente das Paixões de Bach — peças corais conhecidas. Buscando um equivalente aos hinos luteranos de Bach, Tippett incluiu cinco negro spirituals americanos. A configuração emulava o estilo do Coro Hall Johnson, que Tippett havia ouvido em Mais Próximo do Céu [The Green Pastures], filme de 1936.
Tippett achava que, nesses spirituals — “Steal Away” [Escapulir], “Nobody Knows The Trouble I See, Lord” [Ninguém Sabe os Problemas Que Vejo, Senhor], “Go Down, Moses” [Desça, Moisés], “O, by And by” [Em Algum Momento] e “Deep River” [Rio Profundo] —, os negros americanos tinham transformado a condição dos judeus bíblicos em algo familiar e universal. Ao usá-los, pretendia evocar não só os tormentos dos judeus contemporâneos na Europa durante a guerra, mas também qualquer outra pessoa “rejeitada, banida do centro de nossa sociedade e posta em suas margens: em favelas, em campos de concentração, em guetos”, como escreveu.


O fato de A Child of Our Time ter tido um vibrante sucesso em sua estreia, em 1944, três anos depois de ser completado, e o fato de a obra ter viajado mais e durado mais do que qualquer outra do longo cânone de Tippett, certamente deve algo à força desses spirituals. Mesmo assim, a façanha musical do compositor não deve ser subestimada. Antes de a primeira palavra ser cantada, ele estabelece um sentimento de desconforto e lamentação, com acordes de metais decididos e ácidos, simultaneamente acariciados e arrastados para baixo por cordas em linhas descendentes e sombrias. A parte do coral, quando se inicia, vagueia de maneira lenta e indecisa, com tímpanos ressoando ameaçadoramente por baixo.


Ao longo de toda a obra, as partes vocais e instrumentais fluem e se cruzam com clareza madrigalesca. Tippett faz, por vezes, referências irônicas a estilos populares, notavelmente ao tango, na ária para tenor “I Have no Money For my Bread” [Não Tenho Dinheiro Para Meu Pão].


Essas apropriações levaram alguns críticos a rejeitar a obra. “A música de Tippett é uma coleção de objetos encontrados, com uma linguagem consoante que vai rumo à politonalidade e depois a abandona”, escreveu Bernard Holland numa resenha para o The New York Times, por ocasião da estreia da obra pela Filarmônica de Nova York, em 1999.


O texto, ocasionalmente empolado, pode ser outro objeto de preocupação. No entanto, independente das eventuais deficiências, a imensa empatia e o tom majestoso que Tippett empresta aos oprimidos transcendem tudo isso.
“Eu conheceria a minha sombra e a minha luz, para que finalmente me tornasse inteiro”, o tenor solista canta no clímax da terceira parte, entoando a receita junguiana para curar tanto o homem quanto a sociedade. “Então, coragem, irmão, desafie o caminho para o túmulo”, responde o baixo. “Aqui não há luto final, mas uma esperança permanente”, acrescenta a soprano. “As águas que se movem renovam a terra”, canta a contralto. “É primavera.” Nesse verso, e na promessa conciliatória do spiritual final, “Deep River”, chega a promessa de salvação que certamente pode aquecer qualquer coração.

STEVE SMITH é jornalista, autor do blog ArtsBeat, na página do jornal The New York Times. Texto publicado no The New York Times, em 27 de janeiro de 2012, republicado sob autorização. Tradução de Rogério Galindo.

 

 

 

 

PROGRAMA

MARK WIGGLESWORTH regente
MEASHA BRUEGGERGOSMAN soprano
SUSAN BICKLEY MEZZO soprano
STUART SKELTON tenor
PETER COLEMAN-WRIGHT barítono
CORO ACADÊMICO DA OSESP
MARCOS THADEU regente
CORO DA OSESP
NAOMI MUNAKATA regente

 

ANÔNIMO
Elijah Rock [Pedra de Elias]
[Negro Spiritual em Arranjo de Moses Hogan]
3 MIN
Deep River [Rio Profundo]
[Negro Spiritual em Arranjo de Alice Parker e Robert Shaw]
4 MIN
Dry Bones [Ossos Secos]
[Negro Spiritual em Arranjo de Mark Hayes]
4 MIN
______________________________________
MICHAEL TIPPETT [1905-1998]
A Child of Our Time [Um Filho de Nosso Tempo] [1939-41]
Parte 1
- 1. Chorus: “The World Turns on Its Dark Side”
[Coro: “O Mundo se Volta Para Seu Lado Sombrio”]
- 2. The Argument: “Man Has Measured The Heavens”
[O Argumento: “O Homem Mediu os Céus”]
- Interlúdio (Attacca)
- 3. Scena: “Is Evil Then Good?” [Cena: “Então o Mal é Bom?”]
- 4. The Narrator: “Now in Each Nation” [O Narrador: “Hoje em Toda Nação”]