Temporada 2024
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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
12
dez 2014
sexta-feira 21h00 Sapucaia
Temporada Osesp: Alsop e Vondrácek


Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Marin Alsop regente
Hilo Carriel regente
Lukas Vondráček piano


Programação
Sujeita a
Alterações
Alberto GINASTERA
Abertura Para El "Fausto" Criollo, Op.9
Sergei RACHMANINOV
Concerto nº 4 Para Piano em Sol Menor, Op.40
Dorival CAYMMI
Suíte Caymmi: História de Pescadores [arranjo de Dori Caymmi]
Heitor VILLA-LOBOS
Bachianas Brasileiras nº 2
INGRESSOS
  Entre R$ 36,00 e R$ 166,00
  SEXTA-FEIRA 12/DEZ/2014 21h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa
Criollo, criolo, créole, crioulo. Presente em várias línguas, a palavra carrega inúmeras acepções, trazendo referências à origem territorial, étnica ou ancestral das pessoas. As culturas, impregnadas por suas práticas históricas de preservação do sangue, de linhagem e também de integração, conferem ao termo significados próprios e por vezes contraditórios entre si. As gerações brincam com ele e as diferentes regiões de cada país também. O homem da cidade e o homem do campo usam o mesmo termo, mas falam de coisas diferentes. 

Seja qual for o significado imediato que desperta em cada um de nós, a palavra é um convite a pensar identidade, origem, pertencimento, aceitação e tolerância. O significado atribuído a ela reflete a relação que estabelecemos com a heterogeneidade humana.

Nascido no centenário da independência argentina, Alberto Ginastera compôs a Obertura Para El “Fausto” Criollo [Abertura Para o “Fausto” Crioulo] em 1943, coincidentemente o ano do segundo golpe militar da história nacional, aquele que levaria a figura do general Juan Domingo Perón ao cenário político. A Abertura faz referência a um conto de Estanislao del Campo, autor seminal para a literatura gauchesca. Intitulado “Fausto – Impresiones del Gaucho Anastasio el Pollo en la Representación de Esta Ópera”, o conto trata de um gaucho que, numa de suas excursões a Buenos Aires, acaba assistindo à ópera Fausto, de Gounod, no antigo Teatro Colón – e relata o caso ingenuamente a seu amigo Don Laguna. Escrito em 1866, ilustra uma Argentina polarizada entre cidade e campo, na qual o folclore perturba as aspirações da aristocracia porteña, que considera cultas as práticas da elite europeia e rudimentares os hábitos do criollo.

Ginastera traduz essa polaridade em música. Sua abertura intercala material da obra de Gounod com elementos do folclore e da cultura dos pampas. As cenas de Fausto seguem organização métrica binária, fazendo uso de motivos melódicos de quatro notas e de longos pedais. Já as divagações de Anastacio el Pollo obedecem a uma organização métrica ternária, com figurações rápidas e exploração do naipe da percussão em alusão ao sapateado do gaucho no malambo (dança virtuosística gaucha) e ao movimento do cavalo na Doma.1

O resultado é uma criação criolla: os elementos rítmicos que denotam sua origem pampeana e rural são em parte herdados de uma colonização e miscigenação anteriores. E mais: são executados por um aparelho europeu — a orquestra —, num evento europeu — o concerto público —, e em torno de uma temática europeia – a lenda de Fausto.

O conjunto das Bachianas Brasileiras, de Villa-Lobos, também pode ser visto como uma manifestação criolla: ao mesmo tempo que rende homenagem a um dos grandes expoentes da cultura musical germânica, propõe retratar um Brasil amplo e heterogêneo. 

Para as Bachianas nº 2, o compositor se vale de uma orquestra bem mais complexa que aquela que conhecia Bach. Trata-se de uma maquinaria musical que, com o passar do tempo, somou vozes para construir sua identidade e potencializar sua força expressiva. Escrita em quatro movimentos, a peça propõe um crescendo instrumental e dramático no qual diferentes instrumentos encarnam os vários fios da trama.

O “Prelúdio: O Canto do Capadócio” traz uma melodia sinuosa que passeia pela pequena orquestra, em que o naipe da percussão é praticamente dispensado. Disputam a atenção do ouvinte instrumentos como saxofone, trombone e violoncelo, além do violino que, no andantino central, contrapõe sua linha lírica ao acompanhamento ritmado da orquestra.

Na “Ária: O Canto da Nossa Terra”, o violoncelo solo e o saxofone desenham um canto profundo que cria sua identidade por meio de diálogos entre os dois instrumentos e da relação que tramam com os demais integrantes da orquestra. 

O trombone abre e fecha a “Dança: Lembrança do Sertão”. Os demais instrumentos criam um efeito particular pelo ritmo marcado com células rápidas e acentos recorrentes.

A “Toccata” do movimento final explora as possibilidades do naipe da percussão para, com o conjunto da orquestra, representar o avanço do “Trenzinho do Caipira”. Trata-se de uma das criações mais conhecidas e amadas de Villa-Lobos. A rítmica sugerida pela locomotiva serve de acalanto aos pensamentos do passageiro, que circula por diferentes espaços onde ora é local, ora forasteiro; ora bem-vindo, ora rejeitado; é crioulo, mulato, caboclo, negro, branco, judeu, índio, cosmopolita, caipira, gaúcho, sertanejo. Adjetivos desnecessários, afinal. Que a universalidade da música e a experiência coletiva da orquestra e do concerto nos ajudem a militar por uma palavra mais arcaica e mais sábia: nós.
LUCRECIA COLOMINAS é bacharel em música pela Unesp. Foi assessora artística da Osesp entre 2011 e 2014. 

1.A Doma é uma manifestação tradicional da cultura gaucha, na qual um ginete domestica um cavalo.



Em 1924, seguindo conselhos dos amigos e aproveitando a situação material confortável em que a família se encontrava, Rachmaninov decidiu tirar um ano de folga, longe do ritmo infernal das turnês. Acreditava poder assim concentrar-se de novo numa atividade criativa e voltar a ser o compositor que sempre fora. Mas um homem de sua estatura social, essencialmente solitário (para não dizer recluso), não conseguiu encontrar a paz esperada em Nova York: choveram solicitações, e o compositor se impacientou. 

Decidiu então partir para a Europa: iria para a França, Cannes mais precisamente, onde se queixaria demais dos mosquitos; depois, para a Alemanha, de novo Dresden, onde criou a primeira obra de envergadura de seus anos de exílio, o Concerto nº 4 Para Piano.

Esse novo e último concerto poderia ter sido um renascimento, mas seria apenas a oportunidade de uma queda, sem dúvida sentida com menos violência que o fracasso de sua Sinfonia nº 1, pois Rachmaninov já não era jovem, já havia composto o suficiente, era um pianista reconhecido. Mas às mesmas causas se sucedem os mesmos efeitos: diante da recepção globalmente negativa de sua nova obra, fechou-se de novo no mutismo, dessa vez por cinco longos anos.

Ao receber as primeiras provas desse concerto, ele logo sentiu que não conseguira encontrar todo o equilíbrio desejado. Percebeu que a orquestra ocupava demasiado espaço e que o conjunto era longo demais — apesar das palavras encorajadoras do compositor e pianista Nikolai Medtner, a quem a peça é dedicada: a impressão de extensão nada tem a ver com a duração real de uma obra, mas com sua qualidade.

A estreia, em 18 de março de 1927 (com o compositor ao piano e Leopold Stokowski à frente da Orquestra de Filadélfia), foi um pequeno sucesso entre amigos, mas, na estreia nova-iorquina, a crítica arremeteu com mais perfídia que no passado. Alguns chegaram a comparar a obra à produção da obscura compositora francesa Cécile Chaminade: “A srta. Chaminade poderia ter perpetrado a mesma coisa depois do terceiro copo de vodca”, investe Pitts San born num artigo assassino do Telegram, em 23 de março de 1927.

De que o recriminam mesmo? De não ter a prolixidade dos dois concertos anteriores? Rachmaninov justamente tentou evitá-la. De não ter a lógica e a coerência do primeiro (que tem mais ou menos a mesma extensão)? A própria profusão de ideias fragmenta mais a progressão, é verdade. Queixar-se de que Rachmaninov não desenvolveu mais suas ideias musicais equivaleria a perguntar por que o Verdi de Falstaff se contentou com sugestões, em vez de retomar os esquemas habituais da ária italiana. Seria preferível, com mais objetividade, admirar a qualidade de inspiração daqueles temas ternos e frágeis e a leveza de toque com a qual Rachmaninov nos acostumara em suas últimas obras.
JEAN-JACQUES GROLEAU é diretor de administração artística do Théâtre du Capitole, em Toulouse, e coautor de Tout Mozart (Robert Laffont, 2006), Tout Bach (Robert Laffont, 2009) e do Dictionnaire Encyclopédique Wagner (Actes Sud, 2010). Trechos do livro Rachmaninov (Actes Sud, 2011). Tradução de Ivone Benedetti.



A série das canções praieiras perfaz o conjunto mais impressionante, não apenas em relação ao todo da obra de Caymmi, como, talvez, no sentido de sua espantosa originalidade, em relação a toda a tradição da canção brasileira. Com efeito, o folclorista Câmara Cascudo lembrava que o compositor baiano inventou um gênero, pois não havia então na canção brasileira nada que se assemelhasse às praieiras — e, deve-se acrescentar, não viria a haver depois. [...]

É irresistível dizer que, de certo modo, o Caymmi das praieiras é o nosso Homero. É claro que a experiência histórica da Grécia pré-clássica nada tem a ver com a experiência histórica da Bahia moderna, mas, justamente, a relação de Caymmi com a história é complexa e contraditória. Com cautela, é possível e pertinente aproximar o mundo das praieiras ao mundo das epopeias homéricas.

Se não, vejamos. Nas praieiras, os homens vão para o mar, saem no fim da tarde, voltam de manhã cedinho — ou não voltam. As mulheres e as mães dos pescadores esperam na beira do cais em noites de temporal. Se seus maridos e filhos voltam do mar, há festa; se morrem, há tristeza. Os pescadores trabalham ardua mente, porém com alegria. O pescador velho, que hoje está “véio acabado”, pede a Iemanjá que proteja seu filho, seu sucessor na pescaria. Na festa da Conceição da Praia, o mar fica repleto de “cem barquinhos brancos” e os pescadores pedem a bênção: “Meu Senhor dos Navegantes/ Venha me valer”. Isso é pra ticamente tudo. É essa a vida da comunidade pesqueira apresentada pelas praieiras. O notável é que cada uma dessas atividades, suas consequências, suas causas sociais e econômicas, em suma, a vida como um todo, nunca é questionada: vive-se apenas, afirmando o que é, a realidade em sua plenitude. A vida nas praieiras olha para o mundo com adesão irrestrita a ele, no amor e na tristeza, na alegria e na morte. 

Essa aceitação perfeita do que é, do que existe, em sua simplicidade fatal, simboliza, para o teórico da literatura Georg Lukács, precisamente o mistério da helenidade homérica: “O grego só conhece respostas, mas nenhuma pergunta, só conhece soluções (às vezes enigmáticas), mas nenhum enigma, só conhece formas, mas nenhum caos”. Essa espécie de mundo fechado, envolto por uma religiosidade impregnada na natureza e que confere a tudo um sentido inquestionável, é também o mundo das praieiras. Aí não se pergunta sobre o sentido das coisas, pois o sentido é dado de antemão. Para Lukács, é essa perfeita adequação do homem ao mundo que caracteriza, decisivamente, o mundo épico, em que não há “uma laceração entre o interior e o exterior, significativa de uma diferença essencial entre o eu e o mundo”.

A sedução das praieiras reside em grande parte aí: no fascínio que causa esse microcosmo itapuãzeiro pré-moderno, anterior ao que o sociólogo Max Weber, no início do século passado, chamaria de “desencantamento do mundo”. Longe do mundo racional da técnica e da ciência, longe igualmente da angústia da liberdade moderna, o universo das praieiras é protegido pela tradição e pela religiosidade, é um mundo encantado, repleto de mistérios, mundo firme, sólido, físico, solar, fenomenal — mundo, sobretudo, da plena saúde.

É por isso que os dois modos principais das praieiras são a ação e o olhar. Entre os verbos e as coisas, não há nada. Pois o lugar desse nada seria precisamente o lugar da interioridade, da dúvida, da angústia, da abstração, da tentativa de compreensão do mundo. [...] 

A História de Pescadores, com seus seis movimentos representando o essencial da vida pesqueira, encerra o principal das ideias expostas acima. Em sua parte inaugural, a “Canção da Partida”, todos os versos têm pelo menos um verbo, revelando o mundo da ação e do inquestionado: sair pro mar, trabalhar, voltar do mar (se Deus quiser), trazer um peixe bom, voltarem também os companheiros, e, finalmente, agradecer a Deus. A ação justificada pela religiosidade, o mundo fechado. Seguem-se o “Adeus da Esposa”, em que a mulher do pescador reza para que faça bom tempo e lhe prepara uma “caminha ma cia, perfumada de alecrim”; o “Temporal”, em que os gritos em vão procuram pelos pescadores no mar re volto; a “Cantiga da Noiva”, contendo os maus pres ságios da mulher do pescador; o “Velório”, revelando a morte no mar; e, novamente, a “Canção da Partida” (dessa vez intitulada “Na Manhã Seguinte”), encerrando recomeçando a aventura. A estrutura da História de Pescadores encena, assim, o tempo cíclico da comunidade pesqueira, em que a morte no mar não altera a repetição dos eventos. Tempo cíclico que é o tempo mítico e o tempo do candomblé.2 Tempo do inquestionado e do mundo fechado.

Simples, solares, literais, nítidas, concretas, reais — as canções praieiras nos encantam com seu mundo tão diverso do nosso mundo moderno, complexo, mundo da técnica e da racionalidade científica, mundo da liberdade, do vazio, da história, mundo destituído de deuses, apartado da natureza. Não se trata, de forma alguma, de depreciar a aventura histórica da modernidade, cujas conquistas não se pode nunca deixar de afirmar, mas de sentir a beleza e a força dessas canções praieiras que nos colocam diante de um outro mundo, em quase tudo diverso daquele em que vivemos — e cuja característica maior é a certeza do ser.
FRANCISCO BOSCO é doutor em teoria literária pela UFRJ e autor de Alta Ajuda (Editora Foz, 2012) e Banalogias (Objetiva, 2007) entre outros livros. Trechos do livro Dorival Caymmi (Série “Folha Explica”, Publifolha, 2006).

1. Lukács, Georg. A Teoria do Romance. Trad: Alfredo Margarido. Lisboa: Editorial Presença, s/d.
2. Ver, a respeito do Tempo, o clássico livro de Octavio Paz, Os Filhos do Barro (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984) e, sobre a concepção de tempo no candomblé, o livro de Reginaldo Prandi, Segredos Guardados: Orixás na Alma Brasileira (São Paulo: Companhia das Letras, 2005).



Em 1991, gravei uma canção de meu pai chamada “Pescaria” – aquela com o verso “Ô canoeiro bota a rede no mar…” –, para a qual compus a seguinte introdução: “No quadro na branca parede, na minha lembrança/ Um mar de três cores se chega pra areia querendo escutar/ E na beira, Rainha Sereia, Senhora das Águas, sorri pro meu pai.”
Essas palavras retratam, fielmente, a profunda marca que o disco Caymmi e Seu Violão deixou na minha infância e na minha vida de músico e compositor brasileiro.

Entre as versões orquestrais da obra de Caymmi, a que mais me impressionou foi a do maestro Leo Peracchi, um músico brilhante, para “História de Pescadores”, gravada no disco Caymmi e o Mar. Acho que inspirado por isso ousei aceitar o convite para escrever este arranjo orquestral. Agradeço a Arthur Nestrovski e à Osesp pelo convite e pela homenagem a meu pai.
DORI CAYMMI



MARIN ALSOP regente
LUKÁS VONDRÁCEK piano

ALBERTO GINASTERA [1916-83]
Obertura Para el "Fausto" Criollo, Op.9 [Abertura Para o “Fausto” Crioulo] [1943]
9 MIN

SERGEI RACHMANINOV [1873-1943]
Concerto nº 4 Para Piano em Sol Menor, Op.40 [1926-42]
- Allegro Vivace (Alla Breve)
- Largo (Attacca)
- Allegro Vivace
24 MIN

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DORIVAL CAYMMI [1914-2008]
Suíte Caymmi: História de Pescadores [2014] [ENCOMENDA OSESP. ARRANJO DE DORI CAYMMI]

HEITOR VILLA-LOBOS [1887-1959]
Bachianas Brasileiras nº 2 [1930]
- Prelúdio: O Canto do Capadócio
- Ária: O Canto da Nossa Terra
- Dança: Lembrança do Sertão
- Tocata: O Trenzinho do Caipira