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SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
28
ago 2014
quinta-feira 21h00 Cedro
Temporada Osesp convida Mehldau e Hays


Brad Mehldau & Kevin Hays Duo


Programação
Sujeita a
Alterações
DIVERSOS
Modern Music

O repertório será decidido na hora pelos artistas.
INGRESSOS
  Entre R$ 36,00 e R$ 166,00
  QUINTA-FEIRA 28/AGO/2014 21h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa
O projeto Modern Music — no qual Brad Mehldau e Kevin Hays tocam o repertório de jazz e de música clássica contemporânea em arranjos do compositor Patrick Zimmerli, ao lado de músicas novas e originais — nasceu do desejo antigo de Mehldau e Hays de colaborar num formato de dois pianos. Desde o fim dos anos 1980, haviam sido companheiros de viagem na cena de jazz em Nova York. Inicialmente, ambos se destacaram com passagens individuais tocando com o quarteto do saxofonista Joshua Redman, antes de se lançarem em carreiras bem-sucedidas como solistas e líderes de bandas.


HAYS: Brad é alguns anos mais novo do que eu, mas nós basicamente surgimos juntos. Costumávamos ir ao Village Gate, na Bleeker Street, para experimentar esse negócio chamado jazz. Lembro de ser imediatamente tocado por seu jeito de tocar e pelo som maravilhoso. Já dava para ouvir a profundidade e o foco: sua abordagem original da harmonia e do encadeamento de vozes, que só se aprofundaram mais tarde. Podia-se dizer que ele simplesmente havia feito a lição de casa, mas havia algo a mais acontecendo, algo especial se preparando nessa sua mente tão musical, uma cabeça única e penetrante.

MEHLDAU : Quando cheguei pela primeira vez a Nova York, em 1988, Kevin era um importante modelo de pianista. Era alguém com mais ou menos a minha idade e um pouco de experiência a mais, então notei o que estava fazendo, e ele foi uma influência, particularmente pela maneira como tocava nos grupos de outras pessoas. Kevin é um grande acompanhador, entre outras coisas. O respeito que tinha por ele naqueles anos de juventude jamais diminuiu, apenas mudamos muito enquanto músicos. De qualquer forma, há ainda algo da identidade que já estava lá no Village Gate: a inteligência rápida, a curiosidade e a fome de seguir por uma rota diferente e não prescrita. Isso ainda me inspira — sinto que devo realmente estar à altura quando toco com ele. Kevin é profundo — o que ele toca é sentido profundamente, ele escuta e estuda profundamente.

O arranjador Patrick Zimmerli teve a mesma trajetória que Mehldau e Hays. Cresceu em West Hartford, Connecticut, tocando saxofone no mesmo reconhecido programa de jazz da William H. Hall High School que Mehldau. Além disso, conheceu Hays, outro nativo de Connecticut, durante competições musicais. Mas a bem-sucedida carreira de Zimmerli como intérprete ficou à sombra de sua estatura crescente como compositor e arranjador no mundo clássico contemporâneo. Trazido por Hays, Zimmerli tornou-se o catalisador das sessões de gravação do disco Modern Music, oferecendo ideias de repertório e apresentando desafios criativos que levaram esses grandes pianistas bem além de suas veredas familiares.

ZIMMERLI : Conheço Brad há ainda mais tempo do que Kevin, há 25 anos. Brad e eu estudamos na mesma escola secundária. Sou só dois anos mais velho e, quando ele chegou à escola — o que ele mesmo não me deixa esquecer! —, eu era um purista delirante do jazz, e minha atitude em relação aos calouros que gostavam de Grateful Dead era, digamos, menos do que tolerante. Quando Brad desembarcou em Nova York anos depois, tinha havido uma considerável transformação. Brad não apenas havia dominado a tradição jazzística, como também tocava com tremenda paixão e intenso calor um fluxo vulcânico de ideias.

Eu também estava no ensino médio quando conheci Kevin numa competição nacional de música. Ele já era um pianista inacreditável, com um swing mais intenso do que todos, e tocava com uma profundidade, com um gosto e maturidade muito além de sua idade. Mesmo quando ainda estava construindo o nome como um dos melhores pianistas de jazz de sua geração, Kevin já desejava transcender sua formação de jazzista. Tínhamos em comum um interesse aguçado por música escrita em partitura e pela tradição clássica, o que levou a numerosas colaborações por esses anos. Eu escrevia música que nos desafiava tanto técnica quanto esteticamente e que expandia nosso senso do que era possível enquanto improvisadores.

Quando Kevin conversou com Brad sobre o projeto a dois pianos, no começo de 2007, ele estava à procura de um produtor. Propus que fizéssemos improvisos sobre arranjos de música clássica contemporânea; e foi assim que o projeto se desenvolveu.

Foi ótimo trabalhar com esses dois exímios improvisadores, que também podiam ser desafiados com música escrita em partitura. Eu quis usar os dois pianos das mais diversas maneiras. Às vezes Brad tocava uma base no registro agudo enquanto Kevin solava no registro mais grave, ou vice-versa: às vezes Kevin tocava direto nas cordas, por dentro do piano, enquanto era Brad quem improvisava.

MEHLDAU : É muito estimulante trabalhar com Pat, tanto para mim quanto para Kevin, porque somos músicos de jazz que se interessam por composição em grande escala. Pat é um compositor que compreende os gestos do jazz — ele entende como funciona, porque isso faz parte de sua formação. Por isso sabia exatamente como criar desafios para nós e realmente nos levou a novos territórios. Tinha uma visão do material que escrevia e arranjava, trazendo uma tensão estimulante quando era o que estávamos precisando, ao mesmo tempo em que foi hábil para nos deixar fazer o que sabíamos.

Em suas conversas por telefone, quando Hays ainda vivia em Santa Fé, Novo México, o diálogo entre Hays e Mehldau foi deflagrado pelo interesse comum em explorar arranjos sobre as Metamorfoses, de Richard Strauss, um lamento pós-Segunda Guerra Mundial, originalmente escrito para 23 instrumentos de cordas solistas. Strauss embarcou nessa peça elegíaca após a destruição do Teatro Nacional, em Munique, durante os ataques aéreos à cidade em 1943. Estreada depois da vitória dos aliados na Europa, Metamorfoses serviu como memorial à arte e à música que se perderam, física e metaforicamente, durante a guerra. Hays, Mehldau e Zimmerli continuaram a trabalhar na peça no período de gestação de Modern Music. O arranjo não chegou à sessão final, mas provou ter valor por estabelecer o tom e a direção das coisas.

HAYS: Metamorfoses é uma peça que nós dois adorávamos — Brad estava inclusive estudando ela naquele momento, então houve uma sincronia incrível. Ele de fato tinha em mente estudar o repertório clássico. Quando me instalei de novo em Nova York — não muito longe de onde ele mora —, carreguei um piano elétrico para sua casa e demos a partida. Devo confessar que, apesar do meu entusiasmo com a perspectiva de um projeto com o eu me questionava em relação à dificuldade inerente à tentativa de que dois pianos improvisassem juntos com alguma liberdade. Não sabia se manteríamos uma linha coerente. Já é difícil o bastante com apenas um piano! Mas depois dessas sessões informais, pensei: “Isso pode realmente dar certo”. Para mim, o projeto começou de fato naquele momento.

ZIMMERLI : Começamos com Metamorfoses e depois sugeri diversas outras composições que tinham grande significado para mim: Música Para Dezoito Músicos, de Steve Reich, Quarteto nº 5, de Philip Glass — na minha visão, uma de suas peças mais profundas —, e também a Tabula Rasa, de Arvo Pärt, e a Sinfonia nº 3, de Henryk Górecki.
Havíamos planejado incluir um standard de jazz no repertório e, após alguma discussão, optamos por Lonely Woman, um tema que sempre adorei e para o qual tinha uma ideia que abrangia o piano todo numa abordagem da melodia por meio de um acorde de vinte notas. Trabalhei em motivos de aspecto minimalista, tentando manter no arranjo o espírito do que estava em volta.
Também queríamos uma peça original, então escrevi Modern Music, enquanto Brad e Kevin debruçaram-se sobre peças preexistentes: Unrequited e Elegia, duas lindas melodias, com deliciosas progressões harmônicas.

HAYS: A música de Patrick é altamente estruturada; todos os solos são bastante definidos, mas começamos a abri-los um pouco nas performances ao vivo. Há mais espaço para respirar nas peças de Brad e nas minhas; elas se aproximam mais de uma abordagem intuitiva, à qual estamos mais acostumados, com muita escuta e resposta. Tocando com outros músicos, estamos frequentemente no papel de acompanhantes e é preciso manter os ouvidos abertos o tempo todo. Num instante você deve perguntar a si mesmo, para tomar uma decisão: “O que esse acorde precisa em relação ao que o outro cara está tocando? Como e onde colocar a nona ou a décima primeira? Ou devo somente deixar um espaço?” Brad tem um ouvido incrível e é ótimo nesse jogo. É mais que estimulante tocar com ele, ainda mais quando improvisamos. Parece haver uma sintonia natural e o elemento intuitivo realmente funciona.

MEHLDAU : Tivemos muitas discussões sobre como improvisar em determinada passagem — muito, pouco, quanto? E o tipo de improvisação estava sempre fora de nossa zona de conforto. Diz-se que, quando um músico de jazz improvisa, ele está trabalhando intuitivamente — está fazendo algo natural, permitindo a suspensão de seu intelecto por um momento. Nesse projeto era diferente, porque Pat estabelecia desafios únicos para nós. Um exemplo entre tantos: na composição de Pat, Modern Music, há uma parte em que ele nos pede para improvisar com a mão direita ao mesmo tempo em que se tem de tocar algo escrito com a mão esquerda. Parece fácil no papel, mas isso se provou um grande desafio para nós dois. Tocar algo totalmente improvisado, ok. Tocar algo completamente escrito, sem problemas. Mas meio a meio? Super difícil!

Depois de resolvidas as datas para as sessões, Zimmerli sugeriu um espaço acusticamente bençoado chamado Mechanics Hall, em Worcester, Massachusetts, como local das gravações. Um mês antes da sessão de outubro de 2010, ele também organizou uma performance do material apenas para convidados na Faust Harrison Pianos, em Nova York. O concerto ajudou a solidificar as faixas para o disco — e revelou o quanto havia ainda por fazer.

ZIMMERLI : Os arranjos de Górecki e Pärt não pareciam se sustentar por uma variedade de razões e, como as gravações se aproximavam, parecia haver alguns buracos no repertório. Mas naquele momento nós três havíamos nos encontrado tantas vezes que eu começava a sentir o que funcionava melhor para o duo. Então escrevi mais música original: Crazy Quilt, Generatrix e Celtic Folk Song. Esta última incorpora algumas técnicas de Pärt e Górecki, sem fazer referência direta a nenhum deles, então achei que estava contornando as coisas esteticamente.

Para mim, esse processo prolongado de selecionar o repertório não é raro e, apesar de acabarmos não gravando tudo, ganha-se muito com o tempo gasto enfrentando questões técnicas e artísticas e lutando para encontrar um “som” verdadeiro de dois pianos. Na gravação, Brad e Kevin tocaram juntos surpreendentemente bem e a coisa toda deu liga.

HAYS: Inicialmente, com as peças de Reich e de Glass, não estava convencido de que poderíamos fazer o material funcionar nesse contexto — e não sei se o Brad estava. Era um lugar interessante de tensão no caminho — e não quero dizer isso de forma negativa. Ambos acreditávamos que Pat tinha algo em mente. Depois de termos tocado Dezoito Músicos algumas vezes, lembro do Brad me dizer: “Acho que demos um giro de 180 graus com isso”. A peça havia se tornado muito interessante e também divertida de tocar. Nós só não estávamos acostumados a tocar daquela maneira.

MEHLDAU : Sim, essas duas foram daquelas com que tanto Kevin quanto eu apanhamos, porque realmente nos tiravam de nossa zona de conforto. Muito do que me influencia está mais na tradição da música clássica germânica e francesa. Encontro algo novo ao mudar o contexto, deslocando-a para um ambiente de jazz. Mas Reich e Glass — sem tirar nada de seus valores, porque sinto que são vozes profundas e importantes — já estão muito conosco, são “aqui e agora”, são parte de nosso contexto. Seus sons estão infiltrados em toda parte. De uma maneira muito estranha, a proximidade dificulta abordá-los.

ZIMMERLI : Com Música Para Dezoito Músicos, fiz o que qualquer músico de jazz faria ao tocar um tema. Sintetizei uma espécie de tema — nesse caso, uma série de acordes em uníssono repetidos — e extraí uma progressão em que os pianistas pudessem se soltar. Por sorte, no Reich tem uma progressão que governa a peça toda. Eu a utilizei como base para que Brad e Kevin pudessem improvisar, tendo o original no ouvido, claro.

Trechos de Modern Music foram incluídos num programa, “Brad Mehldau e Amigos: O Poder do Piano”, apresentado em 11 de março de 2011 no Zankel Hall, um espaço do Carnegie Hall. Mehldau organizou o concerto como parte de sua residência na temporada 2010-1. Ele foi o primeiro artista de jazz a ser honrado com a Richard And Barbara Debs Composer's Chair. Entre os homenageados anteriores, estão os compositores John Adams, Louis Andriessen e Elliott Carter. O concerto com Hays e outros foi, simbolicamente, o ponto culminante do processo de Modern Music.

MEHLDAU : O convite do Carnegie Hall foi uma grande honra para mim e uma tremenda oportunidade: sempre me lembrarei disso como o ponto mais alto da minha vida musical. As duas peças de Modern Music saíram muito bem naquela noite, elas são imediatamente cativantes. Pat já escreveu música mais “difícil”, mas, com essas peças, encontrou uma maneira de sacudir o ouvinte por inteiro desde o início e conduzi-lo depois por uma outra lógica musical. São composições divertidas de tocar e têm realmente um arco narrativo — sempre fico com a impressão de que fiz alguma viagem quando as toco.

ZIMMERLI : Quando chegou a época do concerto no Zenkel Hall, Kevin e Brad tinham total domínio das peças e tocaram tudo lindamente. Como “estreia mundial”, essa foi uma das melhores que já tive — dois músicos tocando minha música com completa compreensão e absoluto controle e também assumindo riscos e inventando no momento. Para mim, não há como melhorar!

Entrevista a Michael Hill.